Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Estresse é capaz de reduzir em até 45% as chances de mulheres engravidarem

Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de Louisville, nos Estados Unidos, mostrou que o esgotamento emocional pode diminuir significativamente a chance de concepção



Outra descoberta foi a de que as mulheres que conseguiram conceber reportaram um aumento do estresse no fim do mês em que engravidaram. De acordo com a epidemiologista, isso pode ter relação com dois fatores: o próprio resultado do exame mexeria com as emoções ou as mudanças hormonais provocadas pela gravidez estariam por trás da elevação no nível de estresse. Para Taylor, essa última explicação é mais provável.

[SAIBAMAIS];Os resultados implicam que mulheres que querem conceber podem aumentar suas chances tomando passos no sentido de reduzir o estresse, como participar de um programa de redução e controle do estresse ou mesmo conversar com um profissional de saúde;, afirma a pesquisadora. O apoio do companheiro também é muito importante, destaca a psicóloga Mara Farias Chaves Vieira, do Centro de Reprodução Humana FertilCare. ;O parceiro costuma se preocupar com a mulher e tentar, a seu modo, ser ;provedor emocional;, oferecendo apoio e confortando a mulher em suas dificuldades. Isso já é de grande ajuda;, diz (Leia entrevista nesta página).

;Tento me policiar;
A consultora internacional Gerlânia Moraes, 30 anos, conta com o apoio do marido, Marcos Vinícius Soares França, 35, para não se cobrar tanto, nem pensar o tempo todo nas tentativas que o casal vem fazendo de engravidar. Juntos há 10 anos, eles buscaram orientação médica em 2013 para o coito programado, um método que consiste no uso de medicamentos que induzem a ovulação, aumentando as chances de engravidar. O médico acompanha, por exames de imagem, a evolução do crescimento dos folículos e indica o melhor período para a tentativa de concepção.

Da primeira vez, foram três ciclos de coito programado. ;Não deu certo. Aí, deixamos quieto por um tempo;, conta Gerlânia. Há pouco tempo, o casal retomou o tratamento e, agora, ela está justamente na fase de aguardar para fazer o exame que dirá se está grávida. ;Esses 14 dias são os mais tensos. Você fica se perguntando se a ovulação vem ou não. Se a pontada que sentiu é sinal de alguma coisa. Pois os sintomas da menstruação são muito parecidos com os do início da gravidez. Aí você faz o exame e vem a decepção;, relata. ;Você fica em um muro porque tenta ficar confiante, mas, ao mesmo tempo, não quer se sentir tão positiva para não se decepcionar;, afirma. Dependendo do resultado, o casal vai conversar para decidir se parte para inseminação ou fertilização in vitro.

Para evitar expectativas, Gerlânia prefere não alardear sobre o tratamento. ;Não fico comentando com as pessoas. Foi a forma que achei para não me pressionarem;, afirma. ;Eu tento me policiar para não gerar um estresse que me prejudique. Mas é difícil;, reconhece. Nem ela, nem o marido têm problemas de fertilidade. Eles já fizeram exames e descobriram que não há limitações fisiológicas que impeçam a concepção. ;É só porque ainda não bateu mesmo.;

Mudanças hormonais
A endocrinologista Cristiane Moulin, membro e titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que o estresse pode, de fato, atrapalhar a concepção, à medida que essa resposta fisiológica do organismo é capaz de desencadear alterações hormonais que interferem na fertilidade. ;É bem descrito na literatura que o estresse leva a um aumento de glicocorticoides, principalmente do cortisol, um hormônio que atua diretamente na glândula hipófise, reduzindo a produção do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH);, diz. Essa substância, explica a médica, está associada à fabricação do hormônio estrogênio pelo ovário. ;O glicocorticoide não é sempre maléfico. Mas, em doses excessivas, provoca esse desequilíbrio;, esclarece.

De acordo com Moulin, o ciclo menstrual pode ser alterado pelo estresse, o que acaba impactando nas tentativas de concepção. ;Para menstruar, há necessidade de uma harmonia de todo o sistema reprodutor. O equilíbrio hormonal é dado por uma interação entre o cérebro e os ovários. O estresse físico ou psicológico experimentado por adolescentes pode, inclusive, alterar o início da puberdade;, exemplifica. Como o cortisol inibe a liberação do GnRH, acontece uma alteração da fase ovulatória e lútea (a última do ciclo), com deficiência de produção de progesterona e atraso da menstruação. ;Cronicamente, haverá redução também dos níveis de estrogênio;, diz a endocrinologista. ;Há algumas evidências também de ação direta dos glicocorticoides afetando negativamente a fertilidade, por alteração direta da função ovariana e uterina, mas os estudos não são concordantes;, esclarece.

Três perguntas para
Mara Farias Chaves Vieira, psicóloga do Centro de Reprodução Humana FertilCare


A associação entre nível elevado de estresse e dificuldade de conceber já era conhecida?
O estudo sugere essa relação, ainda que, na prática, já se tivesse indícios disso. O estudo ainda sugere que a própria descoberta da gravidez e/ou as mudanças hormonais após a concepção também poderiam aumentar os níveis de estresse. De posse dessas informações, fica evidente a importância do controle do estresse para a mulher que busca conceber. Durante os tratamentos de reprodução assistida, esclarecer todas as dúvidas que surjam junto à equipe pode ajudar muito a diminuir o estresse, pois desmistifica possíveis fantasias acerca do processo. Também é fundamental que a mulher tenha acesso a atendimento psicológico sempre que sentir necessidade, o que pode ajudá-la a mobilizar os recursos de que dispõe para lidar com o estresse de forma mais proveitosa.

Como o estresse interfere no tratamento de reprodução assistida?
Esses tratamentos aumentam muito as chances de sucesso de uma gestação. Porém, costumam demandar considerável investimento financeiro, emocional e de tempo dos pacientes. Mesmo com todo esse investimento, não há garantia de êxito, o que já é motivo de estresse para muitos. O estresse elevado ocasiona aumento da ansiedade, desgaste emocional e diminuição da qualidade de vida do casal. Além disso, níveis elevados de estresse podem levar o casal a desistir do tratamento antes de obter sucesso, e esse pode ser o maior prejuízo para o casal que deseja realizar o sonho da parentalidade. Como profissional de saúde mental, o que procuramos fazer é auxiliar o casal a compreender e se apropriar das motivações de suas escolhas, e ajudá-los no manejo de suas queixas emocionais durante todo o tratamento. O autoconhecimento proporcionado pela psicoterapia costuma ajudar bastante.

Quais são as maiores queixas das mulheres quanto à pressão emocional?
É bastante comum o sentimento de culpa e de impotência por não conseguir gestar, mesmo nos casos de fator masculino de infertilidade. Pelo fato de a gestação se dar no corpo da mulher, elas costumam tomar a responsabilidade para si. Um estudo que realizei com 130 casais em tratamento de reprodução assistida entre 2014 e 2015 mostrou isso. Dessa amostra, apenas mulheres apresentaram sintomas ansiosos e depressivos. Outra queixa bastante comum é a relação do casal com seu meio social. Muitas mulheres consideram bastante difícil testemunhar gestações de familiares e conhecidas enquanto elas próprias ainda não realizaram seu sonho de ser mães. Muitas ainda sofrem pressão social para ter filhos, à medida que os anos passam e a gestação não acontece.