Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Conheça os benefícios e os malefícios do eletrochoque

O retorno da técnica, aperfeiçoada, aconteceu nos anos 2000, mas ainda não está totalmente claro por que a convulsão induzida produz benefícios relatados por pacientes

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Como muitas outras descobertas da ciência, a associação entre convulsão e abrandamento dos sintomas psiquiátricos aconteceu por acaso. Considerado um dos fundadores da neurologia, o Nobel de medicina e fisiologia Julius Wagner von Jauregg percebeu, no início do século 20, que pacientes de transtornos mentais com infecções graves, que levavam a uma febre alta convulsiva, apresentavam melhora significativa. Testes conduzidos por ele em pessoas com neurossífilis avançada ; doença incurável e progressiva, que leva a depressão, paranoia e comportamento violento ; foram bem-sucedidos e abriram caminho para outras experiências.

No início, substâncias como cânfora e insulina foram usadas para induzir a convulsão em pacientes psiquiátricos. Até que, em abril de 1938, o neurologista italiano Ugo Cerletti conduziu a primeira sessão pública de eletrochoque em um laboratório da Clínica de Doenças Nervosas e Mentais da Universidade Régia de Roma. De acordo com Alessandro Aruta, pesquisador do Museu de História da Medicina da Universidade de Roma, o paciente era um jovem esquizofrênico, levado pela polícia ao hospital semanas antes, depois de ser encontrado vagando pelas ruas da capital. Sem exibir sinais de emoções e incapaz de se comunicar, ele foi deitado em uma cama e teve dois eletrodos encostados nas têmporas. ;Depois do tratamento, o paciente começou a se interessar pelo que havia em sua volta; a mente clareou e pareceu estar em boa saúde;, descreve Aruta em um artigo publicado no jornal Medical History.



A indução da convulsão por meio da eletricidade continuou mostrando bons efeitos para minimizar sintomas psiquiátricos. Contudo, à custa de enorme sofrimento e desrespeito aos direitos humanos. Por décadas, o eletrochoque foi aplicado em alta voltagem, contra a vontade do paciente, que, diferentemente de hoje, não era anestesiado nem recebia relaxante muscular. Dessa forma, além de estar acordado durante o procedimento, o corpo inteiro convulsionava, provocando dores e gerando as pavorosas cenas do doente se debatendo, enquanto amarrado ou segurado por vários enfermeiros. Sem ninguém para regular sua aplicação, a técnica se banalizou, passando a ser usada para indicações controversas, como em usuários de drogas ; algo proibido atualmente ;, ou para punir/acalmar internos de clínicas e manicômios.

A partir de meados da década de 1970, denúncias e críticas sobre o eletrochoque se intensificaram. Aos poucos, vários países começaram a bani-lo. No Brasil, pouco a pouco foi desaparecendo dos hospitais públicos ; em Brasília, a última sessão no Hospital de Base ocorreu em 1991. Contudo, com o aperfeiçoamento da técnica, o rigor das diretrizes de associações médicas nacionais e internacionais e as evidências científicas da melhora dos pacientes, a ECT começou a voltar nos anos 2000, sendo oferecida, hoje, em alguns hospitais universitários em São Paulo, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, entre outros. No Hospital Universitário de Brasília (HUB), não há o serviço.

O psiquiatra e pesquisador Moacyr Alexandro Rosa, vice-presidente da Associação Brasileira de Estimulação Cerebral (Abecer), explica que os mecanismos de ação da eletroconvulsoterapia ainda estão sendo pesquisados. ;Os efeitos são semelhantes aos dos fármacos, ela reduz receptores, libera hormônios e altera o ritmo cerebral. Mas faz isso de forma mais rápida. A depressão pode ser uma doença mortal. Quando você tem um paciente com risco de suicídio, não pode esperar semanas até que o remédio faça efeito;, defende. ;Depois do tratamento, você observa que houve modificações nas conexões entre os neurônios, alterações em áreas cerebrais. A ECT parece organizar os circuitos neurais;, complementa a psiquiatra Raquel Carvalho Mergulhão, que atua com a técnica.

Vontade de viver
Se, no passado, a ECT causava medo nos pacientes, hoje eles parecem bastante à vontade com a técnica. Depois de um tratamento de 11 sessões, o engenheiro civil Eduardo (nome fictício a pedido do entrevistado), 38 anos, diz que o tratamento devolveu a ele a vontade de viver. Desde 2014, ele vinha travando uma batalha contra uma depressão severa, desencadeada após um episódio de síndrome de pânico, que o afastou do trabalho, da vida social e da própria casa. ;Eu estava numa apatia total, não conseguia comer, não conseguia dormir nem com medicamento. Comecei a ter ideias suicidas;, conta. Eduardo voltou a morar com os pais. ;Nem os antidepressivos estavam fazendo efeito. Trocava de remédio e nada. Também fiz terapia e não vi melhora;, recorda.

Diante desse quadro, um psiquiatra o encaminhou à ECT. Desconfiado, o engenheiro não acreditou que a técnica poderia ajudá-lo, mas foi incentivado pela família. ;O apoio dos meus pais foi fundamental. Eles ficavam o tempo todo ao meu lado, sempre me acompanhavam e conversavam com os médicos.; De acordo com Eduardo, as sessões não traziam nenhum tipo de desconforto, mas, nos dias que se seguiam, ele costumava sofrer com um efeito comum e bastante incômodo da técnica: o esquecimento (veja infografia). Eduardo relata que a melhora foi gradativa. Seis meses depois do tratamento, ele voltou a morar sozinho. ;Hoje não tenho mais nada. Trabalho bem, tenho muitas amizades, participo de muitas coisas, gosto de sair;, enumera. ;Quero viver bem para compensar esse período em que fiquei deprimido;, diz.

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