Prática constante em comunidades de vários cantos do globo, mas em especial na África, a mutilação genital feminina engloba uma variedade de procedimentos que têm em comum a retirada de parte dos órgãos sexuais externos da mulher, incluindo o clitóris. Realizada em cerca de 2 milhões de meninas a cada ano, a intervenção é, para as populações que a praticam, um rito de passagem, um evento que marca a entrada da mulher na vida adulta, tornando-a apta para casar.
Poucas tradições têm a capacidade de desafiar tantas áreas do conhecimento. Em primeiro lugar, a mutilação é uma grave questão de saúde pública, uma vez que é realizada em condições precárias de higiene e com instrumentos como facas caseiras que causam grande sofrimento e colocam a vida das meninas em risco. A prática também é constantemente lembrada nos debates sobre relativismo, termo usado na antropologia para ressaltar que não há culturas moralmente superiores a outras, apenas distintas. Por respeito às diferenças culturais, nenhuma proibição deve ser feita? Ou se trata de uma questão de direitos humanos, de impedir uma prática que tortura e mutila meninas para controlar sua sexualidade?
Nas últimas décadas, o segundo ponto de vista prevaleceu e estimulou ações que buscam eliminar o costume. Esse trabalho é realizado por entidades como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e busca aliar a adoção de leis que proíbam a mutilação com o fortalecimento das vozes, dentro das próprias populações, que se opõem à tradição. Embora o número de procedimentos tenha caído desde então, é marcante a resistência de várias comunidades à mudança ; segundo as Nações Unidas, 63 milhões de garotas podem ter os genitais cortados até 2050.
Na revista especializada Nature desta semana, um grupo de pesquisadores mostra que a exibição de vídeos produzidos com o intuito de gerar reflexão nas comunidades pode ajudar a reduzir esse número. Segundo os autores, membros de tribos do Sudão tornaram-se mais críticos em relação à mutilação genital feminina depois de assistirem aos filmes produzidos pela equipe.
Mudança
;Uma das hipóteses fundamentais para a persistência desse ato é que se trata de uma norma social profundamente enraizada;, diz ao Correio Charles Efferson, coautor do estudo e pesquisador da Universidade de Zurique, na Suíça.;Uma pesquisa recente mostrou que vídeos de entretenimento melhoraram a situação das mulheres de várias maneiras no Brasil e na Índia. Isso significa que há um precedente para o uso desse recurso para enfrentar o preconceito de gênero;, completa.
No experimento, os cientistas produziram quatro versões de um filme que contava, com linguagem de telenovela, a história de uma família que vivia na região rural do Sudão. Uma das edições não abordava a questão da mutilação, mas as outras três, sim. Em uma delas, o procedimento era analisado sob o aspecto da saúde. Em outra, sob a ótica da importância da prática para o casamento. Por fim, a quarta versão, discutia esses dois aspectos. Depois de mostrar diferentes pontos de vista, incluindo o das meninas, a família decidia por não submeter a filha ao corte.
As peças foram exibidas inicialmente para um grupo de 189 pessoas em cinco comunidades sudanesas. Cada participante foi sorteado para assistir a uma das quatro versões. Em um segundo momento, o procedimento foi repetido com 7.279 pessoas de 122 comunidades. Antes e depois do filme, os voluntários participavam de um teste em que tinham de relacionar algumas palavras com certos atributos, uma forma de medir mudanças subconscientes de atitude.
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