Ciência e Saúde

Planejamento de áreas urbanas afeta positivamente o bem-estar dos moradores

Reduzir as distâncias em 30% em São Paulo, por exemplo, aumentaria a prática de atividades físicas em 24,1%

Paloma Oliveto
postado em 23/10/2016 08:09

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Aquele velho ditado ;você é o que você come; ficou para trás. Com um mundo cada vez mais urbano, hoje se pode dizer que ;você é onde você vive;. O planejamento das cidades tem grande influência sobre a saúde: a organização de ruas, bairros, parques, avenidas, entre outros componentes, impacta direta e indiretamente na prevalência de doenças respiratórias e males crônicos, como obesidade, diabetes, câncer e hipertensão. Calcula-se que, em 2050, 75% da população mundial esteja concentrada no meio urbano.

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A associação entre planejamento das cidades e saúde da população foi tema de um especial recente da revista médica The Lancet que teve a participação de pesquisadores brasileiros. Os investigadores citam barulho, exposição ao tráfego, poluição do ar, isolamento social, sensação de insegurança, falta de atividade física, passar muito tempo sentado e dietas não saudáveis como principais ameaças aos moradores urbanos.



;Quando você fala de planejamento de cidade impactando na saúde, você está falando desde mobilidade a como as casas são edificadas, além do aspecto do calor, que pode afetar pessoas mais velhas, e acesso aos serviços;, exemplifica Rodrigo S. Reis, pesquisador do Centro de Pesquisas em Prevenção da Universidade de Washington em St. Louis. Coautor da série publicada na The Lancet, o brasileiro esteve envolvido, entre outras iniciativas, no Projeto Guia Útil para Intervenções de Atividade Física na América Latina.

Das variáveis urbanas relacionadas à saúde, as distâncias e o meio usado para vencê-las estão entre as que mais impactam, direta e indiretamente, na prevalência de doenças crônicas porque afetam desde a poluição atmosférica ao sedentarismo, problema associado a diversas enfermidades. Pesquisador do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (ESP-USP), Thiago Hérick de Sá explica que o modelo de cidade compacta ; aquela com maior densidade populacional, menores distâncias entre moradia/trabalho/comércio/serviços e uso mais diversificado dos espaços ; pode, por isso, reduzir de doenças respiratórias a obesidade.

Como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o pesquisador participou de um estudo internacional que avaliou o impacto desse modelo em seis metrópoles com características distintas: São Paulo, Melbourne (Austrália), Boston (Estados Unidos), Londres (Inglaterra), Copenhague (Dinamarca) e Nova Déli (Índia). Em todas, a condensação populacional e a melhora dos sistemas de transporte resultaria em ganhos para a saúde.

Em São Paulo, por exemplo, intervenções urbanas que reduzissem em 30% as distâncias e aumentassem a diversidade de oferta de serviços próxima às áreas de trabalho e moradia teriam, como consequência, um aumento de 24,1% da atividade física dos moradores. Com esses trajetos encurtados, caso 10% dos usuários de automóveis se deslocassem mais a pé ou de bicicleta, eles reduziriam em 4,9% a emissão de material poluente na atmosfera, resultando em uma queda de 7% nos casos de doenças cardiovasculares e de 5% nos de diabetes 2.

O trabalho também foi publicado no especial da The Lancet. ;Muitas vezes, a saúde é entendida como doença, como problema do indivíduo ou em termos de serviço de saúde;, diz Hérick de Sá. ;Nos artigos, quisemos chamar a atenção para a promoção da saúde, que é inegavelmente impactada pelo planejamento urbano. Uma cidade mais compacta aumenta o nível de atividade física e diminui a poluição do ar. Você ganha em todos os sentidos;, observa.

A servidora do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) Ana Silvia Pires da Silva, 46 anos, assina embaixo. ;Só tenho a ganhar;, diz, sobre o hábito de se deslocar do Sudoeste, onde mora, ao local de trabalho de bicicleta. Entre os dois bairros, a distância é de aproximadamente 7km, que Ana Silvia percorre sem sustos, pela ciclovia. Só no último quilômetro, a falta da faixa para bicicletas é um entrave. Mas isso não a desanima. Desde que trocou o transporte público pela bicicleta, ela notou melhora na circulação, um aspecto da saúde do qual precisa cuidar, pois já precisou operar a safena.

Escolhas
De acordo com Thiago Hérick de Sá, no planejamento das cidades, os gestores têm de fazer escolhas que nem sempre favorecem a qualidade de vida. ;Você faz um parque ou um prédio? Como você democratiza o verde? Quem está sendo privilegiado?;, questiona. O especialista em prevenção Rodrigo S. Reis lembra que, para favorecer a população como um todo, não basta ter parques e áreas de lazer ; é preciso torná-los acessíveis. ;Brasília, por exemplo, foi concebida desconectando as pessoas, o serviço e o lazer. O desenho de uma cidade tem de considerar todos os grupos e trazer a vida plena e com escolha. Dar oportunidades para que a pessoa escolha. Se você depende de carro e não tem, se você mora longe dos serviços, do lazer, então, você não tem muita escolha.;

O analista de informática Flávio Xavier Mota, 60 anos, pode se considerar um privilegiado. Ele tem carro, mas optou por deixá-lo na garagem. Morador da 203 Norte, Flávio vai ao trabalho, no Setor de Embaixadas Norte, a pé, todos os dias, perfazendo 4km, ida e volta, por um trajeto de fácil acesso a pedestres. ;Odeio carro e acho que as pessoas ficam muito agressivas no trânsito;, conta. Além de evitar a chateação do tráfego, ele destaca a vantagem do contato com a natureza, outro aspecto importante para a saúde mental dos moradores de cidades, de acordo com estudos recentes. ;Gosto muito da natureza. A pé, posso ir contemplando o sol e as plantas. Não é nenhum sacrifício;, diz.

A obesidade e o excesso de peso entre crianças atingiu índices epidêmicos no Brasil, com 39% de meninos e meninas nessas condições. Pesquisas indicam que o controle do peso, além da redução de risco cardiovascular futuro, deve começar ainda na idade pré-escolar, com recomendação de pelo menos 120 minutos de atividades físicas orientadas ou espontâneas por dia na faixa dos 3 aos 5 anos.

Uma das formas de fazer os pequenos se movimentarem, estabelecida pela Academia Americana de Pediatria, é conduzi-los a pé para a creche. Para investigar esse hábito no Brasil, pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Estilos de Vida e Saúde (Gpes) da Universidade de Pernambuco fizeram um estudo envolvendo 914 crianças de 3 a 5 anos, matriculadas em escolas públicas e particulares do Recife. Dessas, 28,3% iam a pé para a escola, sendo que o percentual era mais alto nas famílias que não tinham carro, e nas quais a mãe tinha escolaridade mais baixa. Nas casas em que havia veículos, porém, os pais optavam por conduzir os pequenos no carro.

;Saúde pública e urbanismo são elementos cada vez mais interligados. Os achados do estudo denotam que, para as famílias recifenses, a exemplo do que certamente ocorre em outros centro urbanos, a qualidade do ambiente construído pode ser um fator decisivo para as escolhas que fazem;, afirma Mauro Barros, coordenador do Gpes e um dos autores do artigo. De acordo com ele, o resultado do trabalho pode refletir a percepção de segurança dos pais. ;O ambiente físico contribui para maior ou menor nível de utilização de formas ativas de deslocamento;, diz Barros, ressaltando que essa influência começa muito cedo, determinada pela conduta da família. (PO)

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