Rio de Janeiro ; O ano era 1891 e o cirurgião William B. Coley se viu diante de um caso aparentemente perdido. Seu paciente tinha um tumor ósseo inoperável e provavelmente teria morrido não fosse uma ideia brilhante que passou pela cabeça do chefe dos Serviços de Tumores do Hospital Memorial de Nova York. Havia muito pouco, Robert Koch provara a existência das bactérias, as relacionando a uma série de infecções. Com a compreensão de que o processo inflamatório nada mais era do que o organismo superativando seu sistema de defesa contra agentes externos, Coley imaginou que poderia estimular o corpo a destruir as células cancerosas. Ele injetou estreptococos no paciente, e o resultado foi o encolhimento do tumor. Até o fim da vida, o cirurgião trataria mais de mil pessoas com essa técnica.
Passado mais de um século, a imunoterapia ; extremamente desacreditada pelos pares de Coley ; foi considerada a grande aposta do combate ao câncer pela revista Science, uma das mais importantes publicações científicas do mundo. É claro que hoje ninguém injeta bactérias nos pacientes. Com um conceito renovado, o tratamento, que chegou ao Brasil há dois meses, acorda as células de defesa, enganadas pelas cancerosas (veja arte), permitindo ao sistema imunológico fazer o seu trabalho de forma apropriada. Uma das áreas mais promissoras é o combate ao câncer de pulmão de células não pequenas, doença que tem mortalidade maior que os tumores de mama, próstata e colorretal juntos.
;Durante décadas, a intenção da imunoterapia na oncologia era estimular a produção de células-T (de defesa). Agora, o que essas novas classes de moléculas fazem é bloquear os mecanismos que as células cancerosas usam para se esconder;, explica Rogério C. Lilenbaum, chefe do Centro de Câncer em Yale, nos Estados Unidos. Na semana passada, o carioca, um dos maiores especialistas mundiais em câncer de pulmão, esteve no V Congresso Internacional de Oncologia D;Or, no Rio de Janeiro, onde foram discutidos os avanços da imunoterapia.
O tratamento, embora promissor, ainda tem custo altíssimo (o preço de uma dose fica em torno de US$ 30 mil) e está distante dos usuários do Sistema Único de Saúde. Apesar desses impeditivos, os médicos estão otimistas com os resultados das pesquisas, que indicam não só uma sobrevida maior, mas efeitos colaterais menos tóxicos que os da quimioterapia. ;Estamos vendo para o câncer de pulmão um resultado que não tínhamos há muito tempo;, conta o oncologista Lucianno Santos, da Clínica Acreditar, de Brasília, que integra o Grupo Oncologia D;Or.
Entrevista // Carlos Gil Ferreira
Diretor institucional do Grupo Oncologia D;Or
Uma das referências mundiais na pesquisa e no tratamento de câncer torácico, Carlos Gil Ferreira está entusiasmado com os resultados obtidos, até agora, com a imunoterapia. Embora ressalte que essa não é uma opção para todos ; por enquanto, apenas 20% dos pacientes com tumor no pulmão se beneficiam ;, o médico acredita que já na próxima década será possível combinar medicamentos e fazer com que a doença fique sob controle por tempo indeterminado. Em entrevista ao Correio, o atual diretor institucional do Grupo Oncologia D;Or que, até o ano passado foi coordenador de pesquisa clínica e incorporação tecnológica do Instituto Nacional do Câncer (Inca), porém, lamenta que os usuários do sistema público de saúde não tenham acesso ao tratamento (o preço de uma dose fica em torno de US$ 30 mil). ;A não ser que aconteça uma grande mudança no sistema e na relação da indústria farmacêutica e governo, acho pouco provável que a imunoterapia vá se tornar palpável no SUS;, diz.
O que faz do câncer de pulmão um bom alvo para a imunoterapia?
Na verdade, é tudo muito novo, mas o que a gente começa a entender é que os tumores que mais respondem à imunoterapia são aqueles com um acúmulo de mutações genômicas muito alto. Ou seja, tumores mais complexos, como melanoma, câncer de pulmão. Foi feito um estudo comparando carga de mutação entre vários tumores. Os de mama, por exemplo, têm uma baixa taxa de mutação e tendem a não responder. O câncer de pulmão é dividido em dois tipos. O no fumante, por causa de todos os danos causados pelo cigarro, tende a ter um grande acúmulo de mutação, que acaba predispondo a resposta à imunoterapia. Já o câncer de pulmão do não fumante tem mutações menores e geralmente os pacientes respondem menos à imunoterapia. Então o grande desafio dos próximos anos talvez seja ter testes para identificar realmente aqueles pacientes que podem se beneficiar da imunoterapia e, a partir dali, você poder otimizar o uso de uma terapia de alto custo.
Quando pensamos em sistema imune, logo pensamos em vacina. Qual é o mecanismo de ação da imunoterapia?
O nosso sistema imunológico, em condições normais, tem bloqueios que evitam que os linfócitos, que são as células de defesa, ataquem o organismo. No paciente que tem lúpus e artrite reumatoide, por exemplo, o sistema imunológico não está bem balanceado e há uma autoagressão. Então, esse sistema de bloqueio está presente em todos os pacientes. O que os pesquisadores descobriram é que os tumores tiram benefício desses bloqueios. Um deles, chamado sistema PD-1/PDL-1, é um dos exemplos em que os linfócitos T, por algum motivo, não enxergam as células tumorais. O que a imunoterapia contemporânea faz? Ela desreprime esse bloqueio. É como se ela deixasse que o linfócito passasse a enxergar as células do tumor e, a partir daí, pudesse destruí-lo. Não quer dizer que os pesquisadores não esteja trabalhando em busca de vacinas. Existem várias empresas que estão desenvolvendo vacinas, seja de prevenção, que é mais difícil, ou terapêuticas, aquelas que estimulam o sistema imunológico a atacar o tumor. Só que isso não é para agora; vamos começar a ver esses resultados em três, quatro anos.
Como está a imunoterapia no Brasil?
Um dos anticorpos, o nivolumab, foi aprovado dois meses atrás. Tem sido pago pelos planos de saúde como tratamento de segunda linha no sistema privado. O grande desafio que a gente tem é como conseguir fazer a imunoterapia ser acessível no Sistema Único de Saúde. A não ser que aconteça uma grande mudança no sistema e na relação da indústria farmacêutica e governo, acho pouco provável que a imunoterapia vá se tornar palpável no SUS, pelo menos até a próxima década.
Podemos falar em cura?
Os resultados são bons, mas se a gente for realista, em torno de 20% só dos pacientes se beneficiam. E não estamos falando de cura. Mas, mesmo assim, é um grande avanço. Eu acho que quando a gente fala da imunoterapia atual, talvez a combinação de estratégias na próxima década fará um controle por tempo indeterminado. Se esse controle significa a cura, só o tempo vai dizer. Existe uma estratégia americana para se tentar, por meio de combinações de imunoterapia, que em 2020 a gente tenha a possibilidade de dizer que alguns pacientes serão curados ou controlados cronicamente. Espero que isso seja realidade.
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