Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Entenda por que a segunda infecção da dengue dói mais

Produzida em excesso, célula humana ajuda o vírus a entrar e avançar pelo corpo de pessoas que já enfrentaram a doença

;Meu laboratório estuda os mecanismos pelos quais os anticorpos agem in vivo. Nossos estudos atuais se concentram em determinar como as mudanças nesse componente complexo podem contribuir para as respostas da vacina e da infecção;, explica Jeffrey Ravetch, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Rockefeller, nos Estados Unidos. O trabalho também contou com a participação de investigadores da Universidade de Bangkok, na Tailândia.

Em laboratório, os pesquisadores analisaram anticorpos de pessoas hospitalizadas por terem contraído a doença pela primeira vez e de internadas enfrentando a segunda infecção. Os investigadores descobriram que os integrantes do segundo grupo tinham quantidade abundante de um anticorpo específico, diferentemente dos estreantes no tratamento contra a dengue.

Para os cientistas, o anticorpo encontrado em excesso pode ser o responsável por falhas no sistema de defesa, o que facilitaria a entrada e o avanço da doença. Eles ainda não sabem explicar por que essa falha ocorre, mas acreditam que mais investigações podem desvendar o fenômeno. ;A assinatura de anticorpo que descrevemos tem uma alteração específica em uma única molécula de açúcar. Essa alteração permite que ela se acople a um receptor do vírus chamado FcRIIIA com maior afinidade. Atualmente, não entendemos completamente o mecanismo ligado a essa relação nem como a exposição à dengue influencia essa reação. Essa é uma área que vamos continuar explorando em meu laboratório;, diz Ravetch.

Papel-chave

Celso Granato, infectologista e patologista clínico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), explica que o fenômeno observado é uma das grandes questões abordadas em pesquisas sobre a enfermidade tropical. ;Quando você tem dengue pela primeira vez, há 0,3% de chance de ocorrer uma forma grave da doença. Na segunda e na terceira vez, esse risco sobe para 3%. Algumas investigações que tentavam mostrar por que isso acontece foram feitas, mas nenhuma delas satisfatória;, diz.

O especialista, que não participou do estudo, também acredita que o anticorpo identificado possa ser o responsável por esse agravamento. ;Nós produzimos diferentes anticorpos porque a natureza sabe que, se todos produzíssemos o mesmo tipo, as chances de aparecer um vírus que fosse resistente a ele seriam grandes e, assim, epidemias fatais aconteceriam. O que esse estudo mostra é que esse anticorpo, produzido por algum motivo apenas em quem já teve contato com o vírus, funciona como um cavalo de troia. Ele se gruda no vírus, mas não o mata. E quando o sistema imune vê o anticorpo ligado ao vírus, acha que o micro-organismo está morto e não o ataca, ou seja, essa célula facilita a entrada da dengue no sistema;, detalha Granato.


Sangramentos


Chamada de dengue hemorrágica, a forma mais grave da doença tem sintomas iguais ao da tradicional, mas, cerca de cinco dias depois da infecção, surgem os sangramentos, provocados pela diminuição da produção de plaquetas ; saudável, uma pessoa tem entre 150 e 450 mil plaquetas. Na dengue hemorrágica, o número pode ficar abaixo de 20 mil. Também há o risco de ocorrência da síndrome de choque, que causa grande queda na pressão arterial e problemas cardiorrespiratórios.