Ana Carolina Fonseca*
postado em 01/02/2017 15:49
O estudo que revelou a felicidade de pacientes com paralisia total - a síndrome do encarceramento (ou locked-in) completa - pode ter sido inesperado para seus pesquisadores, mas não para médicos que trabalham e convivem com esse quadro. A pesquisa, divulgada na terça-feira (31/1), aponta que pessoas totalmente paralisadas, mas lúcidas, afirmaram, graças a uma interface que mede o fluxo de sangue no cérebro, que se sentiam felizes com mais frequência do que diziam estar tristes.
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Segundo a neurologista brasileira Priscilla Proveti, estados de humor positivos não são raros em pessoas com quadros extremos de paralisia, como pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA), uma das doenças que podem levar à síndrome do encarceramento.
"É inexplicável. Por incrível que pareça, nenhum dos pacientes tinha um quadro depressivo importante", afirma Proveti, que trabalha com portadores de ELA desde 2011, no Centro de Referência em Doenças Neuromusculares do Hospital da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Paulo Victor Sgobbi, também neurologista da Unifesp, ressalta que essa característica de aceitação dos pacientes de ELA já foi observada e estudada. "Sabemos que os pacientes com esclerose lateral amiotrófica são especiais, demonstram traços específicos de personalidade. São descritos como pessoas boas, simpáticas, felizes e com grande poder de resiliência, características que permanecem após o diagnóstico e evolução da doença", relata.
Debate sobre eutanásia
O professor Niels Birbaumer, líder do estudo que deu origem à tecnologia que "lê a mente" de pacientes paralisados, avalia que os pacientes acreditam ter uma qualidade de vida aceitável se recebem cuidados satisfatórios em casa. Na pesquisa, ele perguntou aos participantes "Você está feliz?" diversas vezes durante as semanas de realização dos experimentos, e recebeu afirmativas constantes.
Além de impactar positivamente a vida desses pacientes, dando voz a eles a chance de manifestar desejos e opiniões, a pesquisa realizada na Suíça tem potencial para contribuir para os debates sobre eutanásia. Com o estabelecimento de uma comunicação com os pacientes de síndrome de encarceramento completa, seria possível, nos países em que a eutanásia é permitida, averiguar o desejo de continuidade da vida de cada pessoa nessa condição.
No entanto, o neurologista Paulo Victor Sgobbi alerta que essa não é uma decisão fácil e que a questão da eutanásia envolve também fatores sociais, culturais, religiosos, pessoais, médicos e psíquicos. Ele opina que, mesmo com o uso dessa tecnologia para melhorar a comunicação com pacientes os sentimentos dos portadores dessa condição "é difícil de acessar e nunca é permanente".
Mesmo assim, a equipe responsável pelo projeto acredita que a descoberta potencialmente pode impactar as discussões sobre a eutanásia. Johanna Bowler, membro do grupo de pesquisadores, afirma que foi a reflexão do professor Birbaumer sobre que decisão ele tomaria se tivesse a síndrome de locked-in que influenciou a criação da pesquisa.
*Estagiária sob supervisão do editor Humberto Rezende.