Vilhena Soares
postado em 17/03/2017 06:00
A fisionomia humana é um dos temas que mais intrigam investigadores da área evolutiva. Eles tentam entender quais fatores, além da genética, podem ser os responsáveis pelos traços dos rostos. Uma equipe norte-americana acaba de descobrir que o ambiente pode fazer parte desse grupo. Os cientistas analisaram, por meio de imagens tridimensionais, o nariz de pessoas de diversas regiões do mundo e encontraram evidências de que o formato do órgão possa ter sofrido interferências do clima. O trabalho foi detalhado na última edição da revista Plos Genetics.
[SAIBAMAIS]Os investigadores decidiram analisar o nariz pela importância dele para sobrevivência humana e também na tentativa de aprofundar estudos anteriores. ;Esse trabalho é parte de um objetivo maior do laboratório para estudar a história evolutiva do rosto humano. Nós nos concentramos no nariz porque já existe um grande corpo de evidências que implicam a adaptação ao clima na evolução da sua forma. A maior parte disso vem de estudos sobre o formato do crânio;, conta Arslan Zaidi, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Penn State, nos Estados Unidos.
Foram analisadas pessoas da África ocidental, do norte da Europa, do sudeste e do leste asiático. Os cientistas consideraram uma variedade de medidas do órgão, como a largura das narinas, a distância entre elas, a altura do nariz, o comprimento do cume, a protrusão e a área externa do nariz e das narinas. Também levaram em conta os fatores ambientais dos locais de onde as pessoas vinham. ;Nós nos concentramos em traços que diferem as populações e olhamos para a variação geográfica em relação à temperatura e à umidade, já que uma função importante do nariz e da cavidade nasal é preparar o ar inspirado antes de atingir o trato respiratório inferior;, explica Mark Shriver, professor de antropologia da Penn State e também participante do estudo.
O órgão faz com que o ar inalado fique quente e úmido. Os pesquisadores observaram que narizes mais largos são mais comuns em indivíduos que vivem em locais com clima quente e úmido, enquanto os mais estreitos, em clima frio e seco. Segundo eles, as narinas mais estreitas parecem alterar o fluxo de ar de modo que o interior do nariz possa umidificar e aquecer o ar de uma forma mais eficiente.
Rosana Tidon, professora do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília (UnB), detalha o mecanismo. ;A função de umedecer e aquecer o ar é coerente com os formatos encontrados em lugares frios/secos. No caso de narizes estreitos e mais proeminentes, pense em Mozart, Bach ou Luís XIV. Os mais achatados e largos, por outro lado, funcionam bem em locais em que o ar já é naturalmente mais quente e úmido, como, a África equatorial;, ilustra a especialista, que não participou do estudo.
Seleção natural
Há duas hipóteses quanto à diversidade no formato do órgão. Ela pode ter surgido por meio do acúmulo aleatório de genes ao longo do tempo, um processo chamado deriva genética, ou pela seleção natural, em que indivíduos mais adaptados sobrevivem. O resultado das análises levaram a equipe norte-americana a descartar a primeira opção. ;Determinamos que a diferença na largura do nariz entre essas populações excede as expectativas aleatórias, ou seja, a deriva genética. Ela é maior do que esperávamos, sugerindo que a seleção natural seria o maior impulso dessas distinções;, justifica Zaidi.
Dessa forma, em climas mais frios, as pessoas com narinas estreitas provavelmente se saíram melhor e tiveram mais descendência do que as pessoas com as largas. ;O padrão de variação da largura da narina em todo o globo corresponde à distribuição de temperatura e umidade. Juntos, esses resultados suportam a hipótese de que as diferenças na largura da narina entre as populações humanas podem, de fato, ter evoluído devido à adaptação ao clima;, destaca Zaidi.
Rosana Tidon ressalta que análises de fósseis trouxeram resultados semelhantes. ;Nesse artigo, os pesquisadores inovaram ao estudar indivíduos vivos usando metodologias mais recentes e sofisticadas. Dessa forma, foi possível inferir que o clima exerceu um papel importante na evolução do nariz;, diz.
Impactos atuais
Os autores destacam que outros fatores podem contribuir para a mudança da forma do órgão, como a seleção sexual, já que o formato do nariz pode ser uma característica atrativa para a escolha de um parceiro. Eles adiantam que a investigação terá continuidade a fim de esclarecer dúvidas do tipo. ;Estudar história evolutiva é importante para entendermos muitas questões atuais, como o risco de doenças. Estamos interessados em identificar os genes subjacentes à forma do nariz. Uma investigação cuidadosa da variação genética ajudará a esboçar uma história evolutiva mais precisa;, diz Zaidi.
A especialista da UnB também acredita que investigações como a conduzida pelos norte-americanos podem ajudar consideravelmente a ciência. ;O entendimento dos processos biológicos que atuam nos seres vivos contribui não só para conhecermos melhor nossa história neste planeta, como também para conservá-lo. Tendo em vista as mudanças climáticas que estamos vivenciando, com a extinção massiva de espécies, o entendimento da adaptação dos organismos ao ambiente em que vivem se torna cada vez mais urgente;, opina.
Palavra de especialista
Reconstruindo a evolução
;Esse estudo dialoga com o debate sobre até que ponto nós fomos moldados pelas forças elementares da natureza, como o clima, ao longo da evolução. Afinal, uma espécie com tantas capacidades tecnológicas, muitas vezes, é considerada como imune aos efeitos da seleção natural. Nesse artigo, eles mostram que, pelo menos para o nosso nariz, esse não é o caso. Os autores mostram que existe uma forte correlação entre a forma do nariz e o clima. A conclusão, portanto, é que o vetor seletivo é o clima. Sem duvidas, trata-se de uma contribuição pontual relevante. Idealmente, no futuro, teremos esse tipo de informação para todas as partes do corpo humano, e isso vai nos permitir reconstituir os processos evolutivos que foram responsáveis pelo surgimento da nossa espécie. No momento, entretanto, ainda estamos longe de termos uma visão consensual sobre isso.;, André Strauss, pesquisador do Instituto de Antropologia Evolutiva Max-Planck, na Alemanha.