Ciência e Saúde

Pesquisa britânica aponta gatilhos para o estresse moderno

Medo de assalto, problemas financeiros, divórcio, atrasos no trânsito e até mesmo o pavor de perder o smartphone estão entre os eventos que assustam população hoje

Paloma Oliveto
postado em 19/03/2017 06:00

Quando o homem primitivo se deparava com uma ameaça ; um animal feroz, por exemplo ;, seu cérebro rapidamente acionava o mecanismo de luta ou fuga. Para auxiliá-lo na tarefa de enfrentar o perigo ou tentar se desvencilhar dele, o sistema nervoso autônomo coordenava uma série de respostas, como a liberação de hormônios, o aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, e a dilatação dos brônquios e das pupilas. As consequências mais comuns eram palpitação, boca seca, sudorese, respiração rápida e curta e tensão muscular. Se essas sensações parecem familiares, é porque, de fato, o são. Isso se chama estresse.

[SAIBAMAIS]
Passados milhares de anos da evolução humana, as feras continuam soltas. No lugar de leões e tigres, porém, estão medo de assalto, problemas financeiros, divórcio, atrasos no trânsito e até mesmo o pavor de perder o smartphone. Um estudo conduzido pela Sociedade de Fisiologia da Inglaterra com 2 mil pessoas identificou os 18 eventos da vida moderna que mais estressam a população.

No topo da lista, está a morte de cônjuge, parente ou amigo, seguida por aprisionamento, destruição da casa por incêndio ou enchente, medo de ficar seriamente doente, perder o emprego, separação/divórcio, ter a identidade roubada, problemas financeiros inesperados, começar em um novo emprego, planejar o casamento, chegada do primeiro filho, atrasos no transporte público, ameaça terrorista, perder o celular, se mudar para uma casa maior, o Brexit (saída do Reino Unidos da União Europeia), sair de férias e promoção/sucesso no trabalho.

A pesquisa foi inspirada em um célebre estudo de 1967 no qual os psiquiatras Thomas Holmes e Richard Rahe examinaram os registros médicos de 5 mil pacientes para verificar se eventos estressantes poderiam provocar doenças sérias. Essas pessoas foram convidadas a dar uma nota de 0 a 10 para 43 fatos/ocorrências, de acordo com o nível de estresse desencadeado.

O resultado do trabalho foi a Escala de Estresse Holmes Rahe, que não só confirmou a relação entre a resposta fisiológica ao medo e à ansiedade e a diversas enfermidades, como se tornou uma referência em todo o mundo, citada centenas de milhares de vezes em artigos científicos nos últimos 50 anos.

O estudo de agora evidencia que, passado meio século de Holmes Rahre, os medos são outros. Muitos itens da escala original foram mantidos, mas os pesquisadores tiveram de adaptá-la à realidade atual. ;O mundo moderno trouxe com ele um nível de estresse que não poderíamos ter imaginado há 50 anos, como as redes sociais e os smartphones;, comenta Lucy Donaldson, presidente do Comitê de Políticas da Sociedade Fisiológica. Se entraram itens tecnológicos, alguns tornaram-se tão obsoletos que foram cortados. Por exemplo, ;esposa começando a trabalhar fora;.

Além dos itens apresentados pelos pesquisadores, os entrevistados podiam fazer citações espontâneas. As mais comuns foram o carro quebrar, ficar preso no trânsito e participar de entrevista de emprego. Também foram citadas com frequência as responsabilidades de cuidar de doentes e idosos e a doença e a perda de animais de estimação. O escrutínio das mídias sociais e as brigas em festas de família também entraram na lista.

Pior para elas

De acordo com os autores do relatório, uma das constatações que mais chamaram a atenção foi a de que mulheres percebem todos os 18 eventos da lista como mais estressantes que os homens. Em média, a diferença na pontuação foi 0,56, sendo que a maior diferença se refere ao medo de terrorismo (1,25 pontos a mais). Como o estudo não teve como foco o recorte de gênero, os pesquisadores ressaltaram que não podem dizer, apenas com base na escala, o motivo de o sexo feminino, aparentemente, ter uma sensibilidade maior ao estresse.

O neuropsiquiatra Fábio Aurélio Leite, do Hospital Prontonorte e membro da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, explica que, ao longo da vida, as mulheres enfrentam dois tipos de estresse que não afetam os homens: o físico e o social. ;O corpo da mulher é muito maltratado do ponto de vista fisiológico. Todos os meses, elas vivem em uma gangorra de estrógeno e progesterona, sentem dor, cólica, têm tensão pré-menstrual. Na gestação e no parto, elas sofrem muitas agressões. O parto é uma coisa linda, mas agride o corpo;, observa.

Somados a isso, estão os desafios de uma sociedade regida pela interpretação masculina dos fatos, diz o médico, que está escrevendo um livro em que aborda o machismo. ;Acho que o machismo é o grande fator estressor. As dores do corpo são inevitáveis, mas há dores, como as sociais, que poderiam deixar de serem sentidas.;

Os múltiplos papéis que se espera que a mulher desempenhe são apontados por Vladimir Melo, especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), como importante fator estressor do sexo feminino. ;Algumas pessoas são mais resilientes ao estresse, mas a mulher acumula mais responsabilidades e pode receber uma carga maior dos estímulos estressores;, afirma o psicólogo, lembrando que o estresse crônico pode desencadear uma série de problemas físicos. ;A repercussão costuma ser no corpo. Todas as pessoas têm um órgão alvo.;

No caso da cirurgiã Thereza Nogueira, 30 anos, o alvo é a cabeça. Ela sofre de enxaqueca crônica e lamenta se importar em excesso com pequenas coisas do dia a dia. ;É engraçado que, com coisas muito estressantes, eu fico calma. Durante uma cirurgia, por exemplo;, diz. ;Mas me estresso com as coisas mais simples, como engarrafamento e problemas de trânsito. Noutro dia, um carro fechou o meu no comércio da entrequadra. Eu tinha de trabalhar e ir a um congresso depois. Fiquei 15 minutos buzinando, depois comecei a xingar;, admite.

Thereza faz residência no Hospital Universitário de Brasília e tem uma carga puxada. Sai de casa às 6h30 e só retorna às 20h30. ;É exaustivo. Quando volto, ainda tenho de cuidar da minha cachorrinha e arrumar a casa. A única coisa que me relaxa é a companhia da Sushi;, diz, sobre a filhote de 10 meses.

"O corpo da mulher é muito maltratado do ponto de vista fisiológico. Todos os meses, elas vivem em uma gangorra de estrógeno e progesterona, sentem dor, cólica, têm tensão pré-menstrual. Na gestação e no parto, elas sofrem muitas agressões. O parto é uma coisa linda, mas agride o corpo;
Fábio Aurélio Leite, neuropsiquiatra do Hospital Prontonorte e membro da Sociedade Brasileira de Psiquiatria

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