Ciência e Saúde

Cientistas descobrem que cafeína protege o cérebro contra demência

Em ratos, a cafeína evita o acúmulo de proteínas no cérebro que desencadeia o Alzheimer e outras complicações neurodegenerativas. A descoberta poderá ajudar na criação de medicamentos com efeito preventivo

Vilhena Soares
postado em 25/03/2017 09:00
Em análises paralelas, os cientistas avaliaram o cérebro de 500 idosos submetidos a testes cognitivos frequentes até morrerem

A demência é uma complicação capaz de prejudicar consideravelmente a qualidade de vida de idosos. No planeta, cerca de 46 milhões de pessoas são acometidas por ela. Um universo de pacientes que motiva cientistas a encontrar soluções para o problema. Em testes com ratos, um grupo dos Estados Unidos identificou a cafeína como substância promissora. A investigação, apresentada nesta semana na revista Scientific Reports, ainda é inicial, mas surge como uma esperança para a criação de medicamentos que possam proteger o cérebro de danos cognitivos.

Em trabalhos anteriores, a equipe descobriu que a enzima NMNAT2 tem duas ações benéficas ao cérebro: protege os neurônios do estresse e realiza um fenômeno chamado chaperone, que é o combate ao acúmulo de proteínas tau, complicação ligada ao Alzheimer e a outras demências. ;Ela é um fator-chave de manutenção neuronal. Um robusto sistema de manutenção é necessário para manter os neurônios saudáveis e protegê-los do estresse ao longo de nossa vida. Nosso estudo publicado no ano passado foi o primeiro a revelar a função chaperone na enzima;, detalha ao Correio Hui-Chen Lu, líder da pesquisa e professora do Departamento de Ciências Psicológicas e Cérebro da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos.

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[SAIBAMAIS]Em análises paralelas, os cientistas avaliaram o cérebro de 500 idosos submetidos a testes cognitivos frequentes até morrerem. Os investigadores detectaram níveis mais elevados de NMNAT2 naqueles com maior resistência ao declínio cognitivo. ;Vimos também que as pessoas com uma quantidade menor da enzima foram mais propensas a sofrer de demência, sugerindo que a NMNAT2 ajuda a preservar neurônios relacionados com a aprendizagem e a memória;, detalha a autora do estudo.

Hui-Chen Lu e a equipe saíram em busca de alguma substância que pudesse ajudar a aumentar a quantidade da enzima no cérebro. Testaram 1.280 compostos em ratos. Como resultado, a cafeína e outros 23 compostos mostraram o potencial almejado pelos pesquisadores, com a primeira sobressaindo. O rolipram também se mostrou promissor, mas esse antidepressivo parou de ser produzido na década de 90 devido aos efeitos colaterais.

Para confirmar o efeito da substância presente no café, os investigadores a administraram em camundongos modificados geneticamente para produzir níveis mais baixos de NMNAT2. ;Os ratinhos que receberam a cafeína começaram a produzir os mesmos níveis da enzima que os ratinhos sem o problema;, resume a autora. ;Esse trabalho poderia ajudar a avançar esforços para desenvolver medicamentos que aumentem os níveis dessa enzima no cérebro, criando um químico capaz de bloquear os efeitos debilitantes de diversas doenças neurodegenerativas.;

Fase inicial

Para Amauri Araújo Godinho, neurologista e neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), o trabalho norte-americano é interessante, mesmo em uma etapa bastante inicial. ;Esse mecanismo de acúmulo das células tau é conhecido, e uma substância que evite isso seria algo bastante valioso. Mas os resultados ainda são muito experimentais;, pondera. ;Outro ponto que temos que ressaltar é que não podemos especificar que o mesmo efeito benéfico ocorra em todas as doenças. O Parkinson, por exemplo, não tem sintomas de demência. No caso da doença de Huntington, os problemas também são outros;, ressalta.

O médico, que não participou do estudo, também destaca que a escolha da cafeína foi uma estratégia inteligente. ;Sabemos que drogas clássicas, como os benzodiazepínicos ; o Rivotril e o Lexotan, por exemplo ;, prejudicam a formação da memória e que esse efeito é contrário em estimulantes, como a cafeína, a cocaína e a ritalina. Por isso, esse resultado era esperado, é um raciocínio bastante lógico;, ressalta. Godinho também aposta que o trabalho possa ajudar na criação de medicamentos. ;Talvez não só a cafeína, mas também esse antidepressivo que se mostrou muito promissor, sirva como base para que os cientistas copiem seu efeito;, opina.

Os autores darão continuidade à pesquisa. Outro ponto importante a ser explorado, segundo eles, é entender por que a enzima NMNAT2 sofre diminuição no corpo humano. ;Aumentar nosso conhecimento sobre os caminhos no cérebro que parecem naturalmente causar o declínio dessa molécula é tão necessário e tão importante quanto a identificação de compostos que poderiam desempenhar um papel no tratamento desses transtornos mentais debilitantes;, justifica a autora.

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