Ciência e Saúde

Exposição à iluminação natural influencia a forma como vemos as cores

A maior ou a menor exposição à iluminação natural influencia a forma como vemos a cor do vestido que, há dois anos, ganhou a web. Cientistas dos EUA chegaram à conclusão durante experimento com 13 mil pessoas

Vilhena Soares
postado em 08/04/2017 08:00
Azul e preto ou branco e dourado? Em 2015, viralizou a dúvida sobre a cor de um vestido usado pela mãe da noiva em um casamento na Escócia. A roupa tinha a primeira combinação, mas não foram poucos os que viram as outras tonalidades, o que intrigou pessoas comuns e cientistas. Um grupo dos Estados Unidos resolveu analisar o que estava por trás do fenômeno. Por meio de um experimento com 13 mil voluntários, descobriram que o tipo de luz à qual uma pessoa é exposta regularmente interfere na resposta. Os resultados do experimento, publicados na revista Journal of Vision, podem ajudar a entender melhor como funciona a visão humana e como ela pode ser influenciada pelo ambiente em que se vive.

Os participantes responderam, em um questionário on-line, qual seria a cor do vestido, se eles acreditavam que existia uma espécie de sombra na foto, e os seus hábitos diurnos e noturnos. ;A fonte de iluminação da imagem original é incerta. Isso faz com que possam ocorrer diversas suposições sobre como o vestido foi iluminado, o que pode afetar as cores que vemos;, explica ao Correio Pascal Wallisch, professor-assistente na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, e líder do estudo.

Pelas respostas, conclui-se que aqueles que viram a imagem com uma sombra, quatro em cada cinco participantes, acreditavam que o vestido era branco e dourado. Pascal Wallisch explica que os voluntários que enxergaram uma possível escuridão, representada pelo azul, viram as cores claras por causa de um efeito de subtração realizado pelo cérebro. ;As sombras são azuis, então, quando a pessoa enxerga esse azul na foto, mentalmente ela subtrai a luz azul de toda a imagem. Isso faz com que ele pareça ter cores brilhantes ; ouro e branco;, detalha.

O pesquisador explica que esse fenômeno é chamado de cor constância. ;Em geral, o sistema visual humano tem que tomar a cor da iluminação para determinar a cor dos objetos. Essa é uma função cognitiva básica: para apreciar a cor de um objeto, a fonte de iluminação deve ser levada em conta, o que o cérebro faz continuamente.;

O experimento mostrou ainda que a percepção das cores sofre influência da rotina. Os participantes que passavam mais tempo sob a luz natural enxergaram as sombras e viram o vestido como branco e dourado. ;O céu é azul. Por isso, se alguém passa mais tempo sob a luz natural, vai ver o vestido como dourado e branco. A luz artificial é amarela. Então, se alguém passa o dia nela, vai ver o vestido como preto e azul;, detalha.

Força do ambiente

Para os autores, o estudo traz dados que ajudam a entender melhor como a percepção do cérebro pode sofrer influências diversas do meio ambiente. ;Isso sugere que qualquer tipo de luz a que somos expostos interfere em como percebemos as cores;, ressalta Wallisch. ;Suposições sobre a fonte de iluminação são importantes para descobrir exatamente qual cor é apresentada. E elas podem depender de escolhas de estilo de vida, como quando você vai dormir. Até agora, supúnhamos que as pessoas geralmente enxergam as mesmas cores. Agora, sabemos que isso não é necessariamente verdade.;

Canrobert Oliveira, médico do Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB), avalia que os achados mostram uma situação de influência externa semelhante a outro sentido importante do corpo humano: o paladar. ;Quando os italianos começaram a fabricar o vinho, a bebida não era de boa qualidade, mas eles queriam vender para os britânicos. Então, faziam os ingleses irem para lá, davam chá de erva-doce para os potenciais compradores e isso alterava as papilas gustativas, fazendo com que o vinho tivesse um outro gosto e agradasse;, relata. ;Da mesma forma, isso pode ocorrer com os receptores de luz presentes na visão humana. Eles podem sofrer influências, como a luz do sol e a artificial, que vão interferir no resultado de sua tarefa. Além da genética, sofremos muita influência do meio em que vivemos.;

Segundo o especialista, que não participou do estudo, os resultados podem contribuir para outros desafios da área científica. ;Esse estudo tem dados muito interessantes, que podem nos ajudar a interpretar outras situações e, dessa forma, aumentar o nosso conhecimento e também a nossa qualidade de vida. Por exemplo, podemos entender melhor como uma pessoa no escuro pode confundir objetos. Esse tipo de informação nos auxiliará a entender a percepção visual para saber lidar melhor com ela;, ilustra.

Os cientistas norte-americanos darão continuidade ao trabalho. Eles acreditam que um novo objeto de estudo que seja semelhante ao vestido preto e azul ajudará no avanço da investigação. ;O próximo passo é criar uma imagem em laboratório. Se conseguirmos fazer isso, seremos capazes de entender melhor o que ocorre para que a visão renda tantas interpretações distintas de cores;, adianta Wallisch.

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