Ciência e Saúde

Dores no peito: exame ajuda a identificar quem precisa de internação

"A dor no peito é um dilema, porque pode não ser nada, mas pode ser algo muito grave, com risco de morte", explica o cardiologista e médico nuclear Lucas Cronemberger, do Hospital do Coração do Brasil (HCBr)

Paloma Oliveto
postado em 09/04/2017 08:00

A empresária Leila Bessa descobriu, no hospital, que não tinha complicação cardíaca: era estresse e um problema no pescoço

Uma forte dor no peito, acompanhada de respiração ofegante e paralisação no braço esquerdo, levou a empresária Leila Bessa, 57 anos, à emergência de um hospital. ;Pensei que fosse morrer na hora;, recorda. Como tem um forte histórico familiar de doenças coronarianas, ela não tinha dúvidas de que estava infartando. Depois de uma bateria de exames, porém, Leila foi dispensada, com boas notícias. ;O médico falou que meu coração era de uma pessoa de 15 anos. O que aconteceu foi que eu estava com um nervo do pescoço pinçado, o que paralisou o braço. A respiração era por causa de estresse;, conta a empresária.


Dor no peito é o segundo principal motivo que leva pacientes às emergências cardiológicas. Eles estão certos: esse pode ser um indicativo de infarto e não deve ser ignorado. Na maior parte das vezes, o médico do pronto-socorro consegue confirmar ou descartar o risco apenas com avaliação clínica e exames simples, como eletrocardiograma e hemograma, que mostra a presença de enzimas associadas a uma condição que, se não atendida a tempo, pode matar ; doenças cardiovasculares são a principal causa de óbito em todo o globo, segundo a Organização Mundial da Saúde.

O problema é que há um grupo de pessoas que fica em uma espécie de ;limbo; diagnóstico. ;A dor no peito é um dilema, porque pode não ser nada, mas pode ser algo muito grave, com risco de morte. Apesar de, em 90% das vezes, o exame clínico e o eletro resolverem, há casos que ficam em uma zona cinzenta. É quando o paciente tem a dor, o eletrocardiograma, o hemograma e o exame clínico não detectam nada, mas ele tem fatores de risco, como histórico familiar, diabetes e hipertensão;, diz o cardiologista e médico nuclear Lucas Cronemberger, do Hospital do Coração do Brasil (HCBr), em Brasília, que integra a Rede D;Or São Luiz. Exames de imagem feitos na emergência podem tirar essa dúvida, diz o médico, que apresentou um estudo sobre o tema no congresso do Colégio Norte-Americano de Cardiologia, o segundo maior do mundo, em Washington.

De acordo com Cronemberger, há um arsenal de ferramentas de imagem que pode auxiliar o médico da emergência a verificar se o paciente, de fato, infartou. Entre eles, a cintilografia, exame que revela a fisiologia do órgão e permite a detecção da necrose do músculo cardíaco. Estudos norte-americanos e europeus demonstraram a eficácia desse método nos prontos-socorros, indicando, inclusive, uma economia entre 20% e 30% nos gastos com saúde, por evitar internações desnecessárias. O cardiologista, porém, queria investigar se o mesmo valia para a população brasileira.

Segurança

Como também é médico nuclear, quando entrou no HCBr, Cronemberger começou a organizar um banco de dados sobre os pacientes que dão entrada no hospital com queixa de dor no peito e passam pelo exame de cintilografia de perfusão miocárdica em repouso. De novembro de 2015 a abril de 2016, foram coletados dados de 100 pessoas, divididas em dois grupos: as que tiveram exame normal e aquelas com resultado alterado. No primeiro caso, foram incluídos 85 indivíduos, que, a partir do diagnóstico por imagem, receberam alta e voltaram para casa. Os 15 restantes apresentaram alterações e precisaram ser internados para mais investigação.

No mês seguinte à ida ao pronto-socorro, os pesquisadores ligaram para os pacientes para saber o que havia ocorrido. ;Dos 85 pacientes que mandamos para casa, nenhum sofreu eventos, como óbito, infarto ou revascularização. Ou seja, a segurança foi de 100%;, conta o médico. ;Dos 15 internados, cinco, ou um terço, tiveram algum evento. É uma diferença muito grande;, observa o médico, lembrando que todos os 100 se encaixavam na zona cinzenta, com exames iniciais duvidosos, o que poderia ter levado o médico a mandá-los para casa ou interná-los.

Para Paulo Cardoso, coordenador médico da emergência do HCBr, o mais importante a respeito do trabalho, que foi pulicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC), é oferecer segurança ao médico do pronto-socorro na tomada de decisão. ;Esse exame não é invasivo e é muito rápido. Ele dá uma precisão de diagnóstico muito grande, de forma que você não interna o paciente desnecessariamente nem libera uma pessoa que deveria ficar para mais investigações;, avalia. ;A dor torácica é muito traiçoeira, ainda mais em pacientes mal definidos;, diz, lembrando que, além de gastos altos, no caso daqueles que são hospitalizados sem estarem infartando, há o risco de infecção hospitalar.

Até três horas

Cardoso explica que, quando um paciente chega à emergência com dor no peito e precisa fazer o exame de imagem, ele tem prioridade na realização do procedimento e no laudo. Como a imagem é captada dentro de uma hora, em até 90 minutos, se tem o resultado. ;Existe uma janela de até três horas depois do início da dor aguda, em que a acurácia (para detecção do infarto) é muito boa. Então, esse intervalo de uma hora e meia é muito seguro;, diz. Por outro lado, o coordenador da emergência diz que, depois de três horas, essa ferramenta não tem mais validade, pois não restam vestígios fisiológicos da necrose do músculo cardíaco.

Para o médico nuclear Leonardo Prado, do Imagens Médicas de Brasília (Imeb), os dados do estudo de Lucas Cronemberger confirmam a importância do exame para a segurança nas emergências. ;Ele confere ao cardiologista clínico que está no pronto-socorro muita segurança para que o paciente possa ter alta e continue sua avaliação cardiológica pormenorizada ambulatorialmente. O contrário também é verdadeiro, pois, naqueles pacientes em que o exame demonstra alteração, a internação e a continuidade da avaliação e terapêutica também conferem melhor assistência e segurança;, avalia.

;A dor no peito é um dilema, porque pode não ser nada, mas pode ser algo muito grave (;) Apesar de, em 90% das vezes, o exame clínico e o eletro resolverem, há casos que ficam em uma zona cinzenta;
Lucas Cronemberger, cardiologista e médico nuclear do Hospital do Coração do Brasil e autor do estudo

Palavra de especialista

Implantação é um desafio

;A dor torácica é extremamente comum e já se mostrou que a cintilografia é muito boa para afastar dúvidas. Quando usada adequadamente, tem um forte impacto. Apesar de tecnicamente pequeno, um percentual de pessoas ainda é liberado, embora tenha tido um infarto. A expectativa é de que ferramentas como a cintilografia, o teste ergométrico, a tomografia de coronária e o eletrocardiograma de estresse reduzam de 5% para 0,5% o número de pacientes liberados inadvertidamente. Mas a implementação do exame mais amplamente não é um desafio simples. No serviço público, a disponibilidade da medicina nuclear está mais nos grandes institutos com vocação mais cardiológica, como o Dante Pazzanese (SP). É muito importante termos pesquisas de qualidade na população brasileira, como essa do Lucas Cronemberger. O trabalho mostra a importância de tornar esses métodos de diagnóstico mais disponíveis.;;

Rafael Lopes, médico nuclear e diretor da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear

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