Vilhena Soares
postado em 20/04/2017 06:00
A incidência de casos de Alzheimer aumenta consideravelmente à medida que a população envelhece ; atingida a faixa dos 60 anos, a cada cinco, a taxa de pacientes dobra. Os tratamentos para essa doença neurodegenerativa, porém, não têm surgido com a mesma velocidade, apesar dos esforços de cientistas. Um grupo dos EUA tenta contê-la apostando em substâncias existentes antes mesmo do nascimento dos indivíduos: proteínas do cordão umbilical humano. Segundo eles, os resultados positivos obtidos em testes com ratos abrem a possibilidade para o desenvolvimento de medicamentos. Os resultados foram publicados na última edição da revista britânica Nature.
Os pesquisadores foram motivados a investigar o assunto após outros estudos científicos indicarem propriedades terapêuticas de substâncias presentes no cordão umbilical. ;Um artigo publicado na Nature em 2005 demonstrou que o sangue presente nesse anexo poderia rejuvenescer o músculo esquelético envelhecido. Estudos cerebrais também mostraram que aspectos do envelhecimento cerebral podiam ser revertidos pela exposição a ;sangue jovem;. Por isso, ficamos interessados em identificar quais moléculas eram responsáveis por esses efeitos surpreendentes;, conta ao Correio Joseph Michael Castellano, um dos autores do novo estudo e pesquisador da Universidade de Stanford.
No experimento, ratos idosos receberam injeções de plasma retirado do cordão umbilical humano. Após alguns dias de tratamento, as cobaias passaram a obter melhores resultados em testes de aprendizagem, memória e plasticidade sináptica (a capacidade do cérebro de mudar e se adaptar a novas informações). Os investigadores analisaram o cérebro dos roedores e identificaram a proteína tecido inibidor de metaloproteinases 2 (TIMP2) como responsável pelo efeito benéfico. ;Não temos certeza do mecanismo pelo qual a TIMP2 melhorou a cognição nos camundongos idosos após o tratamento. Com base nos nossos resultados, a proteína parece aumentar a plasticidade sináptica;, diz Castellano.
Os pesquisadores acreditam que a TIMP2 e outras proteínas presentes no cordão umbilical podem ser usadas no desenvolvimento de terapias que tratem doenças neurodegenerativas. ;Nossos achados têm implicações para limitar o declínio cognitivo no envelhecimento e também no contexto de distúrbios neurodegenerativos, como a doença de Alzheimer. Estamos apenas começando a perceber que moléculas no sangue podem ser importantes para a forma como o cérebro responde ao envelhecimento e a doenças como a demência;, ressalta o autor.
Para Arthur Sousa, neurologista do Hospital Brasília, o estudo explora um segmento da saúde humana que precisa avançar. ;Tem muito tempo que não temos uma novidade nessa área. As medicações que usamos para o tratamento do Alzheimer são voltadas apenas para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, não temos meios que modifiquem essa deterioração. O que esses pesquisadores mostram pode ter esse objetivo, essa proteína se mostra promissora na proteção do hipocampo, região ligada à memória e ao aprendizado que se mostra deteriorada em casos de Alzheimer;, destaca o médico, que não participou do estudo.
Prevenção
Otimistas com os resultados obtidos, os cientistas ressaltam que muito ainda precisa ser desvendado até que a proteína estudada possa ser usada em tratamentos com humanos. ;Eu gostaria de identificar o mecanismo pelo qual a TIMP2 provoca melhorias na aprendizagem, memória e plasticidade sináptica. Além disso, gostaria de avaliar a possibilidade de ela poder desempenhar algum papel na patologia da doença de Alzheimer;, diz Castellano.
Para Sousa, se chegar à clínica, o trabalho norte-americano poderá ser uma ferramenta de prevenção da demência, aliada ao diagnóstico precoce. ;Sabemos que as doenças neurodegenerativas podem estar presentes mesmo 20 anos antes dos sintomas aparecerem e, para identificarmos isso, são necessários exames de imagem, como o de ressonância magnética, que mostram a perda de proteínas como a beta-amiloide. Dessa forma, o tratamento pode ser iniciado antes de surgirem os sintomas. Quem sabe com remédios criados com base em moléculas, como a desse estudo americano, seja possível impedir essa perda.;