Ciência e Saúde

Vitamina D pode ser importante para a regulação da flora intestinal

Pesquisas associam baixos níveis da substância ao aumento de bactérias maléficas e a doenças como diabetes

Paloma Oliveto
postado em 30/04/2017 10:00
Nunca se falou tanto deles. Graças aos importantes papéis que desempenham na imunidade, vitamina D e microbiota intestinal têm despertado, cada vez mais, o interesse de cientistas, médicos e do público leigo. Recentemente, alguns pesquisadores começaram a investigar se a substância, cujo mecanismo de ação é muito próximo ao de hormônios, influencia, de alguma forma, a composição da rica flora que habita as vísceras. Embora preliminares, os resultados indicam que essa correlação é verdadeira. Caso a associação se confirme, isso pode ter importantes implicações para a prevenção e o tratamento de doenças crônicas e autoimunes, incluindo síndrome metabólica e diabetes.

Professor da Faculdade de Medicina de Harvard e autor de um artigo de revisão sobre o assunto, o geneticista Scott T. Weiss lembra que, nos últimos 50 anos, à medida que as populações mundiais começaram a apresentar deficiência de vitamina D, cuja principal fonte é o Sol, também aumentou significativamente a prevalência de doenças autoimunes, aquelas em que o organismo deflagra uma resposta exagerada a patógenos.

;A vitamina D é essencial no desenvolvimento e no funcionamento tanto das células T reguladoras quanto das dendríticas, que compõem o sistema imunológico;, afirma o pesquisador. Ao mesmo tempo, sabe-se que, depois do parto, a flora intestinal é a mais diversa e importante fonte de estimulação microbial do sistema imunológico. Experimentos em ratos sugerem que a colonização dos intestinos pelas bactérias ;do bem; é essencial para o desenvolvimento e a maturação das respostas de defesa, incluindo a geração e o aumento do número de células T reguladoras em diversos tecidos.

[SAIBAMAIS]Segundo Weiss, estudos já demonstraram que a vitamina D pode bloquear ou regular a ativação dessas células na mucosa intestinal. ;Também é possível que, independentemente de seus efeitos imunológicos, a vitamina tenha uma ação direta na flora intestinal, aumentando ou reduzindo o número de espécies específicas de bactérias, e influenciando na diversidade bacteriana;, afirma. O especialista ressalta, contudo, que mais estudos são necessários para se confirmar essa associação.

A influência da vitamina D na microbiota intestinal foi objeto de um estudo da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), publicado na revista Metabolism. O trabalho, feito com 150 voluntários de 20 a 30 anos, investigou essa associação justamente por se saber que tanto a vitamina quanto a flora são fundamentais para o sistema imunológico ; não apenas em relação a infecções, mas às respostas inflamatórias que estão por trás de diversas doenças crônicas.

Correlações


Os pesquisadores avaliaram a concentração do nutriente no sangue dos participantes e compararam esses níveis à presença de lipopolissacarídeos (o LPS, uma toxina produzida por bactérias Gram-negativas do trato intestinal, consideradas maléficas). Embora as associações não tenham sido significativas, os cientistas observaram que, no grupo daqueles com nível maior de vitamina D, a quantidade de LPS no sangue era menor. O trabalho também analisou o DNA de amostras de fezes dos voluntários, para identificar os tipos de bactérias que compõem as microbiotas intestinais. Segundo os pesquisadores, a correlação mais significativa foi entre o nível mais elevado de vitamina D e a maior concentração de bactérias Coprococcus e bifidobacterium, consideradas benéficas por seus efeitos imunológicos e anti-inflamatórios.

O endocrinologista e metabologista Flávio Cadegiani, especialista pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, membro da The Endocrine Society e da The Obesity Society, entre outras sociedades médicas, alerta, porém, que é preciso cautela na interpretação dos resultados, pois há outros fatores que podem influenciar na composição da microbiota. Por exemplo, o índice de massa corporal (IMC). ;Pessoas com maior IMC (ou seja, mais próximas da obesidade) já tendem a ter menores níveis de vitamina D, assim como costumam apresentar as alterações da microbiota intestinal descritas no estudo. Os autores, então, ajustaram o IMC e outras variáveis, e quase todas as associações se perderam;, observa.

;Mas isso não significa que a vitamina D não tenha efeitos intestinais, até porque a forma ativa dela atua sabidamente no intestino, ajudando a absorver cálcio, por exemplo;, ressalta Cadegiani. No estudo, os pesquisadores ressaltam que os resultados obtidos têm de ser replicados por outros trabalhos, para serem considerados válidos.

Palavra de especialista Conjunto de fatores


;Apesar de interessante, a correlação da vitamina D com a microbiota não é uma certeza. A microbiota é como uma impressão digital: cada um tem uma composição particular. A quantidade e a diversidade das bactérias intestinais são muito grandes; temos 10 vezes mais bactérias no intestino que no resto do corpo, o que dificulta as pesquisas. O campo é promissor, mas não se tem certeza de nada nesse momento; há caminhos que precisam ser provados e testados. Agora, a carência de vitamina D tem sido associada a diabetes, obesidade e hipertensão. A principal fonte da vitamina é o Sol, e não tem por que não se expor a ele por 10 minutinhos. Hoje, nós vivemos fechados em casa, obesos, sem tomar sol, comendo rapidamente. A interação de todos esses hábitos, além do estresse, influencia nas inflamações e na imunidade.;

Hermes Aguiar Júnior, membro titular da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia e gastroenterologista do Hospital Prontonorte


Síndrome metabólica


A deficiência de vitamina D, um problema que pode afetar até 30% da população mundial, já foi associada anteriormente à síndrome metabólica, uma condição caracterizada pela presença de obesidade, hipertensão, glicose e lipídeos, e que aumenta o risco de doença coronariana, diabetes e derrame, entre outros. Agora, porém, um estudo da Universidade de Xihuan, na China, publicado na revista Frontiers in Physiology, sugere que essa correlação também envolve a microbiota intestinal.

Fatores como dieta rica em gordura saturada e carboidrato, genética, sedentarismo, uso de medicamentos psicotrópicos, abuso de álcool e distúrbios de humor influenciam a síndrome metabólica, uma precursora da diabetes com prevalência mundial estimada em 15% a 30% da população adulta. De acordo com os autores da pesquisa, feita com ratos, os níveis de vitamina D afetam as quantidades de bactérias benéficas e maléficas do intestino, contribuindo para o surgimento do mal.

Em laboratório, os pesquisadores dividiram os animais em quatro grupos, que, durante 18 semanas, receberam diferentes tipos de dieta: vitamina D e pouca gordura; pouca vitamina D e pouca gordura; vitamina D e muita gordura, e pouca vitamina D e muita gordura. No fim, os ratos dos grupos dois e três desenvolveram síndrome metabólica moderada, enquanto os do quarto grupo apresentaram a versão severa da condição, com intolerância à glicose, resistência à insulina e elevados níveis de marcadores inflamatórios. Já os primeiros não tiveram alterações.

Além disso, os cientistas avaliaram os efeitos de uma dieta rica em gordura e/ou deficiente em vitamina D na produção de defensinas, proteínas antimicrobianas importantes para a saúde da flora intestinal. Os animais alimentados com muita gordura tiveram redução moderada da substância. Ao mesmo tempo, os do grupo da deficiência da vitamina apresentaram diminuição severa da proteína.

;Os resultados indicam que a falta de vitamina D pode exacerbar a inflamação sistêmica provocada pela dieta rica em gordura que, consequentemente, pode causar resistência à insulina e cirrose hepática não alcoólica;, disseram os autores do trabalho, em um comunicado. Os pesquisadores ressaltaram que, como em todo estudo com animais, é possível que os achados não sejam replicados em humanos. Por isso, é preciso esperar a fase clínica da pesquisa para que as conclusões sejam confirmadas.

Para Osvalmir Sá da Silva, nutrólogo pela Associação Brasileira de Nutrologia e médico da Clínica Corpometria, caso confirmados, os estudos que associam a vitamina D à modulação da microbiota intestinal podem alterar os valores de referência da substância. ;Hoje, considera-se que de 0 a 20 é insuficiente, de 30 a 60 é suficiente e mais de 60 é excesso. Para se obter os benefícios, é preciso estar acima de 40. Se, realmente, níveis mais baixos de vitamina D influenciarem na quantidade das bactérias boas para o organismo, o que pode resultar em inflamações, é possível que esses padrões sejam alterados;, diz. (PO)

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