Ciência e Saúde

Pesquisadores explicam o que está por trás da solidariedade

Em comum, estudiosos ressaltam que o sentimento pode ser aprendido e estimulado

Vilhena Soares
postado em 28/05/2017 08:00 / atualizado em 14/10/2020 12:33

 

O que leva um indivíduo a ajudar outro, mesmo sendo um desconhecido, desperta o interesse de cientistas. Pela ótica desses investigadores, a solidariedade pode ser vista além da empatia, inclusive de forma que ajude a torná-la mais efetiva. Resultados de pesquisas seguem esse caminho. Suecos descobriram uma estratégia que aumenta doações de dinheiro de forma virtual. Já investigadores finlandeses e australianos encontraram dados que reforçam o aumento do sentimento de auxílio ao próximo durante situações trágicas. Em comum, os estudiosos ressaltam que o sentimento pode ser aprendido e estimulado.

 


Como ONGs têm cada vez mais recorrido à internet em busca de ajuda, cientistas da Suécia resolveram analisar se algum fator poderia aumentar as chances de os pedidos serem atendidos. Eles enviaram e-mails e mensagens de texto para o celular de 53 mil pessoas solicitando ajuda financeira para a DanChurchAid, uma das maiores organizações não governamentais humanitárias do país. A equipe redigiu três textos com prazos distintos para a ajuda: três dias, 10 dias e até o primeiro dia do mês seguinte. As doações foram maiores quando o tempo para que o auxílio pudesse ser realizado era mais longo. Outra constatação foi a de que as pessoas que responderam no menor tempo doaram quantidades menores.

“Sabemos por outros estudos que as pessoas não gostam de se sentirem pressionadas a doar dinheiro. Em nossos resultados, vimos que pressioná-las com um curto prazo realmente não é uma boa estratégia. Pelo que observamos também, quando alguém doa mesmo em um prazo curto, ele pensa: ‘Tudo bem,  vou concordar em doar rapidamente, mas você não vai receber tanto’”, detalha ao Correio Christina Gravert, pesquisadora da Universidade de Gotemburgo e uma das autoras do estudo, publicado no Journal of Behavioral and Experimental Economics. 

Para a equipe, os achados podem ajudar na definição de estratégias a serem usadas por instituições de caridade. “Podem auxiliar as ONGs com sua angariação de fundos, mas elas também devem entender que, embora um prazo mais longo possa ajudar a aumentar a quantidade que as pessoas doam, não leva mais pessoas a doarem”, ressalta a autora.

Michele Pereira Martins, psicóloga de saúde hospitalar na Clínica Doutor Sérgio Arruda, em Brasília, também ressalta a utilidade do trabalho. “Estudo os meios eletrônicos e acredito que esses recursos têm sido cada vez mais analisados dentro da ciência. Outro ponto que pode ter pesado para que as pessoas doassem quando tinham mais prazo é que elas puderam fazer cálculos para saber se conseguiriam doar e, dessa forma, reservar uma quantia maior. Podem ter descoberto que ganhariam desconto no imposto de renda, por exemplo, e aceitado a proposta. São hipóteses, mas essa estratégia parece que funciona melhor”, analisa a especialista, que não participou do estudo.

Outro fator que pode aumentar a assistência alheia é a situação que deixa o outro fragilizado. Cientistas finlandeses e australianos conseguiram demonstrar que contextos mais dolorosos, como as tragédias naturais, mobilizam mais ajuda. Uma equipe da Universidade de Turku, na Finlândia,  estudou comunidades que haviam passado por tiroteios em massa — entre eles,  moradores de Omaha, Nebraska, Jokela — e, analisando os questionários respondidos pelos voluntários, notaram que, após o episódio letal, as pessoas reagiram de forma solidária. Reuniões de vítimas, vigílias comunitárias e monumentos erguidos espontaneamente em homenagens aos mortos foram algumas das ações registradas.

Dor 

Em um terceiro estudo, investigadores australianos analisaram se a empatia poderia ser provocada pela dor sofrida pelo próximo. Para isso, realizaram um experimento com 50 estudantes, que foram divididos em pequenos grupos com o desafio de  realizar tarefas distintas. Alguns estudantes submergiram a mão em um balde de água extremamente gelada até encontrar bolas de metal e colocá-las num pequeno recipiente subaquático. Outro grupo realizou a mesma tarefa, mas com água em temperatura normal.

Depois da primeira etapa, os voluntários responderam a uma série de perguntas sobre como se sentiram em relação ao grupo do qual faziam parte. Os do primeiro relataram maior grau de vínculo entre eles do que aqueles que realizaram a atividade sem dor. “Nossas descobertas mostram que a dor é um ingrediente particularmente poderoso na produção de vínculo e cooperação entre aqueles que compartilham experiências do tipo”, destaca Brock Bastian, autor do estudo e pesquisador da Universidade de New South Wales. “As conclusões esclarecem por que a camaradagem pode se desenvolver entre soldados ou outros que compartilham experiências difíceis e dolorosas”, complementa.

Para a psicóloga Michele Martins, os estudos dão embasamento à suspeita do dia a dia. “Quando passamos por uma experiência de conflito, um trauma ou um desastre, por exemplo, ficamos mais sensíveis e atentos, e isso estimula a empatia. Com isso, acabamos nos mobilizando mais para agir, doar, nos voluntariar. A formação de grupos também é frequente onde ocorre a ajuda mútua. Vemos isso também quando ocorrem doenças graves”, ilustra.

Vida

A história de Vicky Tavares, 68 anos, é de cuidado com o outro. “Perdi um amigo na década de oitenta por causa da Aids e me envolvi muito com as pessoas que passavam por esse problema, já que, na época, o estigma era grande, o HIV era conhecido como a ‘peste negra’”, conta. Tocada pelo drama, ela trabalhou em uma instituição de ajuda a crianças soropositivas, que, em 2006, parou de funcionar em Brasília. A saída encontrada por Vicky foi montar o próprio projeto. “Nesse momento, resolvi criar a Vida Positiva, para que o apoio a elas pudesse continuar. É onde damos todo o auxílio para que essas crianças possam ficar bem fisicamente e emocionalmente. Graças a esse trabalho, também adotei duas meninas, minhas filhas, minhas bençãos.”

Vick destaca que a vontade de ajudar as outras pessoas foi uma herança recebida da família e ressalta que os atos solidários também provocam benefícios a quem os pratica. “Nasci em um lar cheio de solidariedade, minha família montava caixas com doações para distribuir a quem precisava, e isso sempre foi algo natural para nós. Acredito que ajudar os outros é algo que nos faz bem, nos possibilita maturidade espiritual e nos faz crescer. Fico feliz só de sentir o abraço de alguém que ajudei, é algo que não tem preço.”

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