Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Ao menos 16% dos idosos no mundo são vítimas de diversos tipos de violência

Especialistas lamentam a falta de políticas eficazes para proteger essa parcela crescente da população


O caso de Marlene é a realidade de 141 milhões de pessoas com mais de 60 anos em todo o mundo. Um estudo inédito, apoiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e publicado na revista Lancet Global Health, revela que um em cada seis idosos sofre algum tipo de agressão. É uma proporção maior do que se imaginava. O trabalho, conduzido por pesquisadores da Faculdade Davis de Gerontologia da Universidade de Southern California, nos EUA, foi apresentado por ocasião do Dia Mundial de Atenção ao Abuso de Idosos, celebrado hoje.

A partir de dados de 52 estudos realizados em 28 países de diferentes regiões, incluindo 12 nações de baixo e médio nível de desenvolvimento, os pesquisadores concluíram que 16% dos idosos já foram submetidos a abuso psicológico (11,6%), financeiro (6,8%), físico (4,2%), sexual (0,9%) e a negligência (4,2%). Dados brasileiros ficaram de fora porque os cientistas não encontraram estudos nacionais com a mesma metodologia empregada nos demais.

Na região das Américas, o percentual de agressões a idosos é de 11,7%, variando de 10%, nos Estados Unidos, a 79,7%, no Peru. Na Ásia/Pacífico, chega a 20,2%, com variações de 14% (Índia) a 36,2% (China); enquanto que, na Europa, o índice é de 15,4%, variando de 2,2% (Irlanda) a 61,1% (Croácia). Também não havia estudos da África com metodologia adequada para a meta-análise, mas os autores do artigo destacaram que, entre as mais de 3,8 mil pesquisas consultadas, aquelas referentes ao continente africano também mostravam percentuais altos de agressões contra idosos.

;O abuso contra idosos está crescendo; para esses 141 milhões de pessoas, os custos individuais e sociais são altos;, disse Alana Officer, conselheira de saúde do idoso do Departamento de Envelhecimento e Curso de Vida da OMS. ;Temos de fazer mais para prevenir e responder à frequência crescente das diferentes formas de abuso;, alertou, em um comunicado à imprensa.

Despreparo

A psiquiatra Helena Moura, especialista em psicogeriatria e preceptora da residência de psiquiatria do Hospital de Base, destaca que, enquanto se fala bastante da violência contra outras minorias, como crianças e mulheres, quase nada é dito sobre o idoso. ;Precisamos de políticas que comecem a orientar mais sobre a violência contra o idoso. As pessoas estão despreparadas, tratam o idoso de forma jocosa. Ele é motivo de chacota, como se tivesse chegado ao fim da linha. Você tem uma pessoa que foi produtiva e inteligente a vida toda e, de repente, se vê em uma situação de declínio, e a família pode não ter o esclarecimento de como lidar com isso;, avalia. De acordo com a médica, às vezes, mesmo sem perceber, muitas pessoas acabam humilhando os mais velhos, com brincadeiras e expressões que soam desrespeitosas aos mais vividos.

Helena Moura lembra que, diferentemente do que acontece com crianças, falta paciência dos mais jovens com os andares claudicantes, os esquecimentos e os embaralhamentos da mente dos idosos. ;E esse abuso psicológico causa um impacto muito grande na saúde mental. Ele pode levar à depressão, uma doença que, no idoso, agrava mais ainda os aspectos cognitivos, como a lentidão do raciocínio e a capacidade de aprendizado reduzida;, diz a especialista.

O geriatra Otávio Castello, titular do Conselho dos Direitos do Idoso do DF e diretor de Ética e Defesa Profissional da regional da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, destaca que o estudo apoiado pela OMS encontrou percentuais expressivos de abuso em todas as regiões do mundo, independentemente de nível de desenvolvimento econômico. ;O problema da violência contra o idoso é global. A média das pessoas pensa que é coisa de pobre. Não é, está distribuído por todas as classes e em todas as regiões;, diz.

Na avaliação de Castello, o estudo inédito é um referencial. ;É o primeiro realmente estruturado, com dados do mundo todo, com base em artigos de boa qualidade de metodologia científica;, diz. ;É um referencial para quem milita em direitos humanos e bastante coerente com a questão do idoso em geral: ele não tem voz. Combater o abuso entre todas as minorias é importante, mas essa, talvez, seja uma das menos olhadas.;

* Nome fictício a pedido da entrevistada


Prevalência


Tipo de abuso Número de estudos Número de países Amostra total Percentual estimado
Total 44 26 59.203 15,7%
Físico 46 25 64.946 2,6%
Sexual 15 12 43.332 0,9%
Psicológico 44 25 60.192 11,6%
Financeiro 52 24 45.915 6,8%
Negligência 30 20 39.515 4,2%

Projeções preocupam

Caso a proporção de abuso contra pessoas com mais de 60 anos siga no mesmo ritmo, serão 320 milhões de vítimas em 2050, estima a Organização Mundial da Saúde (OMS). ;Apesar da frequência e das sérias consequências à saúde, o abuso de idosos continua sendo um dos tipos de violência menos investigados em pesquisas nacionais e um dos menos endereçados nos planos nacionais de prevenção da violência;, criticou Alana Officer, da OMS.

Segundo o geriatra Otávio Castello, o mundo está atrasado no debate sobre o tema. ;Estamos vivendo um fenômeno, o da revolução da longevidade. Na história da humanidade, nunca estivemos com uma proporção tão alta de idosos;, lembra. Hoje, há 41 milhões de pessoas com mais de 60 anos e, de acordo com a OMS, em 2020, haverá mais idosos que crianças de até 5 anos. Até 2050, serão 2 bilhões de indivíduos nessa faixa etária, ou 20% da população mundial. ;Ninguém olha para todas as questões relacionadas aos idosos. O estudo sintetiza que estamos diante de um problema global. Para reverter essa informação em políticas públicas, porém, é outra história;, lamenta.

José Elias Vieira dos Santos, voluntário no Lar da Terceira Idade Samaritanos, em Águas Lindas (GO), discorda da ideia de que a sociedade ainda não sabe como lidar com os idosos. ;Não se envelhece do dia para a noite. O problema é que ninguém tem tempo para o idoso, ele não é priorizado, é deixado de lado. O descaso com o idoso é imenso;, diz. Ele conta que, muita vezes, precisa notificar as famílias, por meio do Ministério Público, para que visitem os parentes internos do abrigo. Além da negligência e do abuso financeiro e psicológico, já presenciou casos de violência física, quando atuava como conselheiro no Conselho de Idosos do município. ;Muitos eram espancados, chegavam com hematoma, marca de cigarro. E isso acontecia dentro das próprias famílias.; (PO)