Paloma Oliveto
postado em 20/06/2017 06:03
Diretamente associado à aterosclerose, condição caracterizada pelo estreitamento das artérias, o colesterol alto é controlado com estatinas, que precisam ser tomadas diariamente. No ano passado, também foi aprovada no Brasil uma nova classe de medicamentos que tem a enzima PCSK9 como alvo. Essa substância dificulta a remoção do LDL, conhecido como "mau colesterol", da corrente sanguínea. Contudo, enquanto os remédios convencionais têm a desvantagem do uso crônico, o que pode diminuir a adesão ao tratamento, os biológicos são de alto custo e têm a indicação específica para pessoas que não conseguem baixar as taxas mesmo com a dose máxima de estatina ou para os portadores de hipercolesterolemia primária. Por isso, a ciência corre atrás de uma vacina que, de forma duradoura, proteja o coração contra as perigosas placas de gordura.
Na edição de hoje do Jornal Europeu do Coração, pesquisadores da Universidade de Viena e do Biocentro AFFiRis, também da capital austríaca, anunciaram os resultados de um estudo que se focou na PCSK9 para a redução de colesterol e aterosclerose com a abordagem da imunoterapia. Em um modelo de ratos alimentados com alto teor de gordura, eles testaram a vacina AT04A, que, aplicada sob a pele dos animais, desencadeou a produção de anticorpos que eliminaram a enzima da corrente sanguínea.
O resultado foi significativo: 53% de redução do colesterol, 64% de diminuição dos danos causados pela aterosclerose e menos 21% a 28% de marcadores de inflamação nas artérias, comparado com ratos não imunizados. De acordo com o principal autor do estudo, Günther Staffler, desenvolvedor de novas tecnologias da AFFiRis, uma grande vantagem foi o tempo de duração do tratamento. Mesmo ao fim do estudo, os benefícios se mantinham. Staffler diz que, em humanos, a ideia seria uma dose da vacina ao ano, associada ao checape cardiológico regular (Leia entrevista nesta página). Com esse regime, o pesquisador defende que a imunização sairá mais barata que os medicamentos biológicos, que exigem ao menos duas aplicações subcutâneas mensais.
Staffler destaca que a redução dos níveis de colesterol total esteve diretamente associada à concentração dos anticorpos induzidos pela vacina, provando que a imunização foi responsável pela diminuição da aterosclerose. Ele explica que a enzima PCSK9 é produzida no fígado e bloqueia os receptores do colesterol LDL, reduzindo a capacidade do órgão de se livrar dessa substância maléfica. Quando injetada, a AT04A faz com que o corpo produza anticorpos que bloqueiam a função da PCSK9, de modo que a atividade dos receptores de colesterol LDL é aumentada.
Teste em humanos
;A forma como a AT04A é administrada compara-se a uma vacina;, explica Staffler. ;Contudo, a diferença entre uma vacina convencional e nossa abordagem é que a vacina induz anticorpos específicos para proteínas virais ou bacterianas que são externas ao corpo ; patógenos ;, enquanto que a AT04 induz anticorpos contra uma proteína-alvo que é produzida pelo corpo ; proteína endógena. Isso é realmente uma abordagem imunoterapêutica, mais que uma vacinação;, diferencia.
De acordo com ele, já está em curso um estudo clínico (com humanos) de fase 1, desde 2015, conduzido pela Universidade de Viena. A pesquisa, cujos resultados devem sair até o fim do próximo ano e inclui 72 pessoas saudáveis, investiga se a AT04A e outra molécula, a AT06A, são seguras.
Em um editorial que acompanha o artigo, o professor Ulrich Laufs, da Universidade de Saarland, na Alemanha, e o professor Brian Ference, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, escreveram que a abordagem parece promissora. ;Contudo, a segurança, a resposta em humanos e o muito importante e ainda desconhecido efeito imune a longo prazo devem ser adereçados cuidadosamente durante o curso do desenvolvimento clínico;, ponderaram.
De acordo com os acadêmicos, um dos efeitos das estatinas a longo prazo é o aumento nos novos casos de diabetes. ;Portanto, uma preocupação em potencial sobre a segurança de uma vacina que reduza o LDL é um aumento do risco de novos casos de diabetes. Em curto prazo, o efeito das estatinas e o dos inibidores da PCS9 parecem superar amplamente esse risco;, concluíram.