Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Reduzir a poluição evita 14 mil mortes por ano, diz pesquisa

As vidas seriam preservadas com a diminuição de partículas atmosféricas poluentes e de gás ozônio, mostram cientistas dos EUA. Segundo o trabalho inédito, homens e pessoas em dificuldades socioeconômicas estão entre as principais vítimas

O estudo é estatístico e não investigou a relação de causa e efeito. Contudo, diversas pesquisas prévias demostraram que poluentes afetam o trato respiratório e também podem impactar na saúde cardiovascular porque as partículas inaladas entram na corrente sanguínea, desencadeando respostas inflamatórias e estresse oxidativo. Entre as consequências, estão hipertensão, arritmias, aterosclerose e formação de coágulos. Estudos também associam os níveis elevados de poluição ao desenvolvimento de diabetes, independentemente de fatores genéticos (Leia mais nesta página).

Apesar da robusta literatura científica a respeito, os pesquisadores de Harvard decidiram visualizar o efeito dos poluentes em uma grande amostra populacional. Para isso, a equipe de Francesca Dominici, professora de bioestatísticas da instituição, avaliou dados de 60 milhões de beneficiários do Medicare, o sistema de saúde norte-americano voltado aos cidadãos com mais de 65 anos, referentes ao período de 2000 a 2012. Com base no código postal de cada um deles, os cientistas conseguiram informações sobre a qualidade do ar no local de residência e fizeram um modelo estatístico que estimou o risco de morte associado à exposição ao gás ozônio e às partículas do tipo PM 2,5.

O chamado material particulado (PM, em inglês) afeta mais o organismo que qualquer outro poluente, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele é composto por sulfato, nitratos, amônia, carbono, poeira mineral, clorito de sódio e água. Quanto menor a partícula, mais prejudicial: aquelas com diâmetro inferior a 10 micrômetros podem penetrar mais profundamente os pulmões e, entre as consequências, está o câncer nesse órgão, justamente o que mais mata no mundo. Um micrômetro equivale à milésima parte do milímetro. No estudo, publicado no The New England Journal of Medicine, os autores se focaram nas concentrações PM 2,5, ou seja, a quantidade de partículas com 2,5 micrômetros por metro cúbico de ar.

Resultado contundente


Os pesquisadores de Harvard descobriram que não é preciso muito para as partículas se tornarem letais. Um aumento de apenas 10 micrômetros por metro cúbico dos poluentes PM 2,5 no ar elevou o risco de morte precoce por todas as causas em 7,4%. Já o aumento de 10ppb (partes por milhão) do gás ozônio foi responsável por 1,1% dos óbitos precoces, segundo os cientistas. ;No caso das partículas PM 2,5, esse risco é ainda maior entre homens, negros e pessoas com baixo status socioeconômico. Provavelmente porque vivem em áreas com pouco controle de qualidade ambiental;, observa Francesca Dominici. ;Esse é um estudo de poder estatístico sem precedentes por causa do tamanho massivo da população analisada;, continua.

O oncologista Igor Morbeck, do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, concorda. ;O artigo não deixa dúvidas sobre a associação dos poluentes com a mortalidade precoce e mostra que, mesmo nos limites menores (das partículas), os fatores de risco são fortes;, observa. ;Acredito que essa análise vai gerar várias outras. Nós precisamos entender ainda qual seria o limite seguro e o tempo mínimo de exposição associado ao risco de mortalidade. Existe uma estimativa de que os poluentes aumentem em torno de 8% a 10% o risco de câncer de pulmão, mas esses dados não são tão robustos, nem recentes;, exemplifica o médico, que é membro da Sociedade Brasileira de Cancerologia (SBC) e da Associação Internacional para o Estudo do Câncer de Pulmão (IASLC).

Francesca Dominici diz que os resultados trazem aplicações práticas, que devem ser levadas em conta nas políticas públicas. ;Nossos dados sugerem que a redução das emissões de material particulado fino traz importantes benefícios para a saúde pública, especialmente para minorias étnicas e pessoas com baixo poder socioeconômico;, avalia.


Os impactos

Poluente - Efeito na saúde

Partículas totais em suspensão (PTS)
Efeitos significativos em pessoas com doenças pulmonares, como asma e bronquite

Partículas inaláveis (PM10)
Aumento de atendimentos hospitalares e de mortes prematuras e insuficiência respiratória pela deposição dos poluentes nos pulmões

Partículas inaláveis muito finas (PM 2,5)
Exacerbação de doenças pulmonares, como bronquite, aumento na mortalidade e desenvolvimento de asma, alergia e doenças cardiovasculares