Ciência e Saúde

Método de estimulação magnética craniana potencializa a memória auditiva

A técnica de estimulação magnética craniana melhora o desempenho de voluntários em testes de reconhecimento de som. Segundo pesquisadores canadenses, a técnica poderá evitar problemas de aprendizagem e demência

Vilhena Soares
postado em 12/07/2017 06:00
A memória auditiva é essencial no dia a dia. Compreender uma frase, por exemplo, acontece, entre outros fatores, porque os sons e a sequência deles são gravados por um indivíduo. Problemas nesse mecanismo, portanto, podem comprometer a aprendizagem. Uma equipe de cientistas canadenses propõe que essa habilidade seja otimizada por estimulação magnética craniana. O procedimento surtiu resultados promissores em testes com voluntários e, segundo os investigadores, há a possibilidade de ele beneficiar outras áreas ligadas à memória, como a visão.
[SAIBAMAIS]O trabalho é o desdobramento de uma investigação na qual a equipe de cientistas se dedicou a decifrar como funciona a memória auditiva humana. ;Identificamos os circuitos cerebrais que são ativos quando uma pessoa se lembra dos sons e os manipula na mente;, conta ao Correio Robert Zatorre, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade McGill, no Canadá. ;Outros grupos de pesquisa usaram a técnica de estimulação magnética transcraniana para mudar a atividade do cérebro. Então pensamos que, talvez, também pudéssemos mudar a atividade nesses circuitos com o objetivo de melhorar a memória, pelo menos temporariamente;, complementa.

Uma rede neural chamada fluxo dorsal é a responsável por aspectos da memória auditiva. Dentro da corrente dorsal, existem pulsos elétricos rítmicos chamados ondas theta, mas o papel delas em relação à memória auditiva ainda é um mistério. Para decifrar esse enigma, Zatorre e os colegas resolveram analisar o comportamento das ondas theta de 17 voluntários enquanto eles realizavam tarefas em que eram obrigados a reconhecer um padrão de sons quando ele era invertido, uma atividade que ativa a memória auditiva.

Ao realizar as tarefas, os participantes foram monitorados por uma combinação de equipamentos que analisam a atividade cerebral: a magnetoencefalografia (MEG) e o eletroencefalograma (EEG). Juntos, os exames forneceram a amplitude e a frequência das ondas theta durante as atividades de memória. A frequência do participante com melhor desempenho foi aplicada por meio de estimulação craniana em todos os outros do grupo em uma segunda etapa. Após o estímulo, os participantes realizaram as tarefas de memória auditiva com mais eficiência.

Ao estimular os voluntários com outra frequência, os cientistas não detectaram melhora nas performances. ;Achamos que a melhora da memória ocorreu porque estávamos direcionando sua atividade para um circuito preciso no cérebro. E o mais importante, isso ocorreu porque estávamos estimulando um ritmo específico, que corresponde à frequência natural de oscilação desse circuito;, ressalta Zatorre.

Para a equipe, o resultado do estudo também ajuda a esclarecer dúvidas que rondam a área médica. ;Por muito tempo, o papel das ondas theta não é claro. Agora, sabemos muito mais sobre a natureza dos mecanismos envolvidos e sobre o seu papel causal nas funções cerebrais. Só conseguimos esse avanço porque unimos a neurologia e sua série de técnicas complementares;, comemora Sylvain Baillet, também autora do estudo e pesquisadora da Universidade McGill.

Mais aplicações

Os cientistas cogitam o uso clínico da descoberta. ;Agora, sabemos que o comportamento humano pode ser reforçado com um tipo específico de estimulação. Ainda mais emocionante é o fato que esse estudo investigou a memória auditiva, mas a mesma abordagem poderá ser usada para múltiplos processos cognitivos, como visão, percepção e aprendizagem;, diz Zatorre.

Marcia Santos Neiva, neurologista do Hospital Brasília, avalia que o trabalho canadense explora com sucesso uma tecnologia que se mostra promissora na área médica. ;Estive com outros médicos no segundo Congresso Internacional de Estimulação Cerebral, ocorrido em março, em Barcelona. Lá, pudemos observar que a estimulação magnética e a elétrica surgem como o grande salto que a medicina dará no tratamento mais efetivo e com redução de efeitos colaterais em várias doenças, inclusive nas de memória.;

Segundo a especialista, há outros trabalhos que obtiveram resultados semelhantes. ;No que tange ao tratamento de doenças da memória, como as demências em geral e especialmente a doença de Alzheimer, há estudos mostrando melhora clínica e impacto positivo nas atividades de vida desses pacientes. A medicina começa a alcançar tratamentos efetivos, usando a física, e com menos efeitos colaterais que os químicos em geral.;

Os autores darão continuidade ao trabalho com a intenção, entre outros quesitos, de otimizar o procedimento. ;Os resultados são muito promissores e oferecem um caminho para futuros tratamentos. Planejamos fazer mais pesquisas para ver se podemos fazer o impulso de desempenho durar mais tempo e se ele funciona para outros tipos de estímulos e tarefas. Isso ajudará os pesquisadores a desenvolver aplicações clínicas;, aposta Zatorre.

"Ainda mais emocionante é o fato que esse estudo investigou a memória auditiva, mas a mesma abordagem poderá ser usada para múltiplos processos cognitivos, como visão, percepção e aprendizagem;

Robert Zatorre, pesquisador da Universidade McGill e um dos autores do estudo

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