Vilhena Soares
postado em 30/07/2017 06:00

A equipe decidiu recorrer às facilidades da tecnologia de imagem para tentar mudar a direção tomada pela maioria de estudos realizados sobre o tema. ;Durante anos, seguimos concentrados na ideia de que os psicopatas são pessoas que não podem gerar emoção e, por isso, fazem todas essas coisas terríveis (;) Embora os psicopatas sejam frequentemente retratados como predadores de sangue frio, quase alienígenas, mostramos que o deficit emocional pode não ser o principal motor dessas escolhas ruins;, ressalta Joshua Buckholtz, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de Harvard.
Buckholtz e os colegas defendem que é necessário analisar uma outra característica presente no distúrbio psiquiátrico: o imediatismo das escolhas. ;O que nós nos preocupamos com os psicopatas não são os sentimentos que eles têm ou não têm, são as escolhas que eles fazem. Eles cometem uma quantidade surpreendente de crimes, e esses atos são devastadores para as vítimas e astronomicamente caros para a sociedade como um todo;, diz.
[SAIBAMAIS]Os 49 prisioneiros participantes do estudo estavam em duas prisões de segurança média localizadas na cidade de Wiscosin. Todos foram submetidos a exames de ressonância magnética enquanto participavam de um teste de gratificação monetária. No experimento, tinham que escolher entre duas opções: a primeira faria com que recebessem uma quantia menor imediatamente; a segunda, um montante maior, mas posteriormente. O monitoramento de cada psicopata durou mais de duas horas.
Em uma segunda etapa, os pesquisadores mapearam a atividade de regiões do cérebro conectadas ao estriado ventral dos prisioneiros e constataram fenômenos que reforçaram os achados da primeira observação. ;Nós mapeamos as conexões entre o estriado ventral e outras regiões envolvidas na tomada de decisões, especificamente as do córtex pré-frontal, conhecido por regular a resposta estriatal. Descobrimos que as conexões entre o corpo estriado e o córtex pré-frontal medial ventral eram muito mais fracas em pessoas com psicopatia;, detalha o investigador. ;Precisamos do córtex pré-frontal funcionando estavelmente para fazer julgamentos prospectivos, sobre como uma ação nos afetará no futuro;, complementa.
Aval biológico
Segundo João Armando, psiquiatra do Instituto Castro e Santos, em Brasília, a dificuldade em controlar os impulsos, que ocorre pela falta de um mecanismo adequado de avaliação das consequências futuras e pela valorização de situações momentâneas, é uma situação observada em todos os transtornos de personalidade, incluindo a sociopatia. ;Essa pesquisa corrobora de forma biológica sintomas que são características na prática clínica. Sabemos que resumir a sociopatia apenas à falta de empatia e emoções era algo muito simplista;, diz.
Guido Palomba, psiquiatra e diretor cultural da Associação Paulista de Medicina e autor do livro Insania Furens ; Casos verídicos de loucura e crime, ressalta que o diferencial do estudo é o uso de tecnologias inovadoras para reforçar achados anteriores. Segundo ele, europeus e brasileiros também estudam esse tema e correlacionaram a impulsividade com a psicopatia. ;Isso ocorre muito na física. Temos teorias de Einstein que foram comprovadas recentemente. Como agora há aparelhos que mostram detalhadamente o que desconfiávamos, podemos ter a confirmação do que era suspeito. O imediatismo é algo muito presente na psicopatia e faz com que esse transtorno gere consequências graves, como os crimes;, complementa.
Tratamento limitado
Tanto os especialistas quanto os pesquisadores acreditam que os resultados da pesquisa não poderão contribuir diretamente para o tratamento da psicopatia, um dos maiores desafios da área psiquiátrica. ;A sociopatia é um dos transtornos de maior dificuldade de tratamento e com poucas respostas positivas. Creio que o estudo ajude a entender o funcionamento cerebral de algumas características, mas tenha pouco impacto na abordagem clínica, que continua a ser baseada em psicoterapia por longos períodos e, mesmo assim, com resultados, na maioria das vezes, discretos;, explica João Armando.
Segundo o psiquiatra, os cientistas têm se envolvido na busca por intervenções mais efetivas. ;O número de pesquisas que tenta demonstrar a forma como os sintomas atuam no cérebro está crescendo bastante. Elas são bem-vindas, pois corroboram nossa prática no dia a dia, mas ainda há pouco impacto no tratamento clínico. A sociopatia tem muito que ser entendida, principalmente porque não temos um tratamento adequado. Creio que o grande desafio seja descobrir um tratamento com melhor resposta;, diz.