postado em 16/09/2017 08:00
A confirmação chegou ao Laboratório de Propulsão a Jato da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) às 11h55 UTC (8h55, de Brasília): depois de duas décadas de missão, a nave espacial Cassini fez seu mergulho final em Saturno, a 1,4 bilhão de quilômetros da Terra. O último sinal do equipamento, antes de se desintegrar na atmosfera do planeta gasoso, porém, não foi motivo de tristeza. Pelo contrário, a equipe comemorou: ;Espero que estejam muito orgulhosos desse êxito extraordinário. Essa foi uma missão incrível, uma nave incrível, e vocês, uma equipe incrível;, disse o chefe da missão Cassini, Earl Maize, sob o aplauso dos colegas. Era exatamente isso que a Nasa planejava. Encerrar, com sucesso, uma aventura que revolucionou o conhecimento que se tem sobre o planeta anelado.
Cassini passou os últimos cinco meses se preparando para o fim, mergulhando entre os anéis de Saturno e sua atmosfera em uma série de 22 grandes órbitas, que culminaram em uma despedida da lua Titã (o maior satélite saturnino, que possui um oceano aparentemente salgado) na terça-feira. Lá, ela se aproveitou do empurrão gravitacional do satélite para se colocar em órbita entre os anéis de Saturno e a parte superior da sua camada nebulosa. Tratou-se da primeira exploração desse espaço vazio de 2,7 mil quilômetros. O encontro final de Cassini com Titã foi apelidado pelos cientistas de ;beijo da despedida;.
A entrada na atmosfera saturnina começou cerca de um minuto antes da perda de sinal e, mesmo nos últimos momentos, a nave trabalhou, enviando dados científicos em tempo quase real por ondas de rádio, até que sua antena não conseguisse mais apontar para a Terra. Suas últimas imagens foram enviadas na sexta-feira, antes da manobra derradeira, e revelaram as medidas mais profundas que se teve até agora da densidade do plasma, do campo magnético, das temperaturas e da composição atmosférica de Saturno.
;Essa missão mudou a forma como vemos os mundos oceânicos no Sistema Solar, oferecendo sugestões tentadoras sobre lugares com ambientes potencialmente habitáveis, como Titã, e nos dando um verdadeiro laboratório planetário para estudar processos que podem ser relevantes até mesmo para a compreensão da origem da vida na Terra;, avalia Alvaro Giménez, diretor científico da Agência Espacial Europeia (ESA). ;Cassini revolucionou nossas opiniões sobre Saturno por incríveis 13 anos, desde o momento em que chegou ao planeta até seu fim, hoje (ontem);, completou.
Série de descobertas
Cassini foi lançada de Cabo Canaveral, na Flórida, em 1997. Viajou durante sete anos até alcançar a órbita de Saturno, onde permaneceu por outros 13 anos. Nesse tempo, descobriu seis novas luas a seu redor, estruturas tridimensionais sobre os anéis e uma gigantesca tempestade que se estendeu por todo o planeta durante quase um ano. A sonda de 6,7 por 4 metros também achou gêiseres gelados e lagos de hidrocarbonetos compostos de etano e metano em Titã. Em 2005, a nave lançou até a lua a Huygens, da Agência Espacial Italiana, marcando a primeira e única alunissagem no Sistema Solar exterior em um corpo celeste além do cinturão de asteroides.
;A missão mudou a maneira de pensarmos sobre locais onde a vida poderia se desenvolver, além de nossa Terra;, avalia Andrew Coates, chefe do Grupo de Ciências Planetárias do Laboratório de Ciências Espaciais Mullard, da Universidade College de Londres. ;Assim como Marte, satélites como Encelado, Europa e, inclusive, Titã, são agora os melhores aspirantes à vida extraterrestre. Reescrevemos completamente os livros sobre Saturno;, acrescenta. Linda Spilker, cientista do projeto Cassini, comparou a missão a uma maratona. ;Durante 13 anos, corremos uma maratona de descobertas científicas e, agora, estamos na última volta.;
A missão de Cassini pode ter acabado, mas vai demorar muito tempo para que todo o material coletado por ela seja estudado. ;Quem sabe quantas teses de doutorado sairão desses últimos segundos de dados?;, questiona Mathew Owens, professor de física espacial da Universidade de Reading, na Inglaterra, sobre as informações enviadas pela sonda pouco antes de se desintegrar. De acordo com Owens, até hoje, cerca de 4 mil artigos científicos foram produzidos baseados nos dados da missão.
Outras três naves espaciais voaram perto de Saturno: a Pioneer 11 em 1979, seguida pelas Voyager 1 e 2 nos anos 1980. Mas nenhuma estudou o planeta tão detalhadamente quanto Cassini, que leva o nome do astrônomo franco-italiano Giovanni Domenico Cassini, que, no século 17, descobriu que o planeta tem várias luas, além de uma brecha entre os anéis.