Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Uso de smartphones a noite pode prejudicar cérebro em desenvolvimento

O uso de smartphone e tablet durante a noite tem levado crianças a dormir menos do que o recomendado, mostra estudo inglês.



Os pais das crianças participantes responderam a questionários em que, além dos hábitos de sono dos pequenos, descreveram a rotina familiar e falaram sobre o desempenho acadêmico dos filhos. Mais uma vez ficou clara a associação, diz Weighall. As crianças que dormiam menos que o recomendado faltavam mais aulas e tinham notas mais baixas. Além disso, elas se queixavam de cansaço durante o dia, dificuldade de concentração e memorização. Vinte e nove por cento das que dormiam pouco disseram à família que tinham insônia porque estavam preocupadas com as tarefas da escola e 16% revelaram que a dificuldade de cair no sono se dava por preocupação com bullying e amizades.

O médico do sono e psiquiatra da infância e da adolescência Rafael Vinhal, do Instituto Castro e Santos, afirma que, embora a pesquisa tenha sido realizada na Inglaterra, ela é numericamente expressiva e reflete a realidade mundial. ;Podemos extrapolar esses dados para o Brasil, especialmente quanto ao uso de tablets e celulares;, diz. Ele destaca outra importante informação da pesquisa: 40% dos pais entrevistados admitiram que dormiam pouco, e um quarto deles dormia cinco horas ou menos por noite. ;A má higiene do sono é um problema de toda a família. Os pais estão sendo permissivos e coniventes ao deixar as crianças levarem celular e tablet para o quarto. Esses são casos de insônia por falta de limites, por falta de rotinas e de regras claras dentro de casa;, critica.

Maus exemplos


Presidente do Departamento de Saúde na Escola da Sociedade de Pediatria do DF, Fabiana Mendes lembra que, se os pais não derem o exemplo, as crianças continuarão usando a tecnologia na hora em que deveriam estar dormindo. ;Os pais chegam à noite em casa e ficam no tablet ou no celular. Eles dão o mau exemplo, e as crianças repetem o que estão vendo;, diz. De acordo com a pediatra, estudos já calcularam o tempo que as mídias eletrônicas roubam do sono dos pequenos. ;Neste ano, foi publicado um trabalho na Scientific Reports mostrando que, a cada uma hora de uso de tablet por dia, há redução de 16 minutos de sono. Pode parecer pouco, mas não é. O impacto é muito grande;, afirma. ;São 16 minutos a menos de pleno funcionamento do cérebro. Dormir é apreender. Muitas vezes, quando estamos com um problema, nós dormimos e, ao acordar, temos a solução. Imagine uma criança, cujo cérebro está se desenvolvendo. O impacto da falta de sono sobre a concentração e o aprendizado é enorme e pode ser irreversível;, alerta.

Além da influência nas habilidades associadas à vida acadêmica, a falta de dormir afeta outros aspectos da vida da criança. Segundo Rafael Vinhal, já se comprovou que a privação do sono aumenta a ansiedade e a irritabilidade, elevando, inclusive, o risco de depressão. Nos adolescentes, o psiquiatra afirma que, inclusive, isso pode desencadear ideação suicida. Outro impacto negativo é que, no caso dos jogos, trocar a cama por eles tem potencial de deflagrar a dependência em games, uma condição que já é considerada transtorno psiquiátrico pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, obra de referência da área.

Deixar de dormir à noite por qualquer motivo é ruim. Porém, Vinhal explica que, no caso dos eletrônicos que emitem luz, é ainda pior. A iluminação desses aparelhos estimula o cérebro, além de inibir a produção da melatonina, um dos hormônios do sono. ;Se a criança está usando a tecnologia perto da hora de dormir, isso vai atrasar o sono, mesmo quando ela desliga o aparelho;, concorda Anna Weighall. Para evitar esses problemas, a pediatra Fabiana Mendes recomenda que os pais mudem suas rotinas, deixando os equipamentos de lado à noite; instituam brincadeiras e atividades mais tranquilas, como a leitura, e não permitam que os pequenos tenham tevê no quarto, nem levem para o ambiente celulares e tablets.

"A má higiene do sono é um problema de toda a família. Os pais estão sendo permissivos e coniventes ao deixar as crianças levarem celular e tablet para o quarto. Esses são casos de insônia por falta de limites"
Rafael Vinhal, médico do sono e psiquiatra da infância e da adolescência do Instituto Castro e Santos