Ciência e Saúde

Cientistas desenvolvem molécula para bloquear parasitas da malária

O composto pode ser usado como medicamento e também como uma ferramenta que bloqueia a transmissão da enfermidade por insetos

Vilhena Soares
postado em 27/10/2017 06:00

O composto pode ser usado como medicamento e também como uma ferramenta que bloqueia a transmissão da enfermidade por insetos

A resistência de micro-organismos a remédios é um dos maiores problemas enfrentados pela área médica. Assim como os antibióticos, os medicamentos antimaláricos têm perdido o efeito. Em busca de novas opções para tratar essa enfermidade tropical, investigadores internacionais desenvolveram uma molécula que consegue bloquear a invasão dos parasitas da malária nas células sanguíneas, impedindo também sua replicação. A substância mostrou resultados animadores em testes com células humanas e de ratos. O uso do fármaco em mosquitos também impediu que os insetos conseguissem disseminar a malária.


O trabalho, coordenado por cientistas da Suíça, segue uma linha de pesquisa que tem sido bastante abordada na busca por novas drogas para tratar a malária: o mapeamento do DNA do parasita. ;As proteínas do Plasmodium falciparum têm sido investigadas há muito tempo como alvos de drogas. O genoma desse protozoário codifica 10 proteínas chamadas plasmepsinas, que estão envolvidas em diversos processos celulares. A maioria foi estudada extensivamente, mas as funções das plasmepsinas PMIX e PMX até então eram desconhecidas;, detalhou ao Correio Dominique Soldati-Favre, pesquisadora do Departamento de Microbiologia e Medicina Molecular da Universidade de Genebra e autora principal do estudo, publicado na revista Science.

A pesquisadora e sua equipe observaram, em laboratório, que PMIX e PMX são essenciais para a sobrevivência do parasita, e, com base nessa descoberta, desenvolveram um inibidor das proteínas, chamado de 49c. A substância foi testada em amostras sanguíneas humanas infectadas pelo Plasmodium falciparum, cultivadas in vitro. Após 48 horas, verificou-se que o inibidor impediu que 99,9% dos parasitas invadissem as células sanguíneas. ;A substância 49c fez com que as proteínas fossem completamente silenciadas. Vimos que, depois disso, o parasita enfrentou problemas para sair de sua célula hospedeira e invadir os glóbulos vermelhos, local onde se replicam;, explicou Paco Pino, também autor do estudo e pesquisador da Universidade de Genebra.

Em animais

Os cientistas realizaram ainda testes com animais vivos. Eles aplicaram 49c em ratos infectados com o parasita Plasmodium berghei. A substância repetiu os resultados positivos, mostrando que o inibidor pode provocar o mesmo efeito em outros tipos de parasita da malária. Após duas semanas de tratamento diário com 49c, o protozoário não foi detectado no sangue dos animais. ;Utilizamos roedores infectados para mostrar que o composto é seguro, pelo menos em camundongos. Mais exames toxicológicos precisam ser feitos, obviamente, mas com isso temos uma mostra do seu efeito eficaz e curativo em animais vivos;, ressaltou Pino.

Os investigadores adiantam que outras moléculas que possuem o mesmo efeito inibidor das proteínas PMIX e PMX estão sendo analisadas. Eles acreditam que testes futuros também poderão aprimorar a eficácia de 49c. ;Esse composto poderia ser ;o trunfo; contra a malária, ou pelo menos um ponto de partida para melhorar os compostos que temos hoje. De fato, uma molécula que inibe duas proteínas que são essenciais para todos os estágios da vida do parasita é uma arma perfeita para evitar a resistência a esses medicamentos antimaláricos, o que tem aumentado com o passar do tempo. Os próximos passos da nossa pesquisa incluem modificar esses inibidores para produzir compostos ainda mais potentes;, destacou Soldati-Favre.

Werciley Júnior, infectologista e Chefe da Comissão de Controle de Infecção do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, assinalou que o estudo mostra dados interessantes, ainda desconhecidos por especialistas da área. Ele também ressaltou que o uso da nova molécula poderia ser feito com outros medicamentos já utilizados no tratamento da malária. ;Essas proteínas já haviam sido vistas, tínhamos uma noção delas desde 2015, mas esses detalhes, que mostram como o seu silenciamento pode impedir que o parasita entre na célula sanguínea, ainda não eram conhecidos. Em relação a medicamentos, temos que pensar que esse inibidor apenas bloqueia a entrada, ele não mata o parasita. Seria interessante seu uso associado com outros medicamentos que já matam o parasita, para ter as duas ações. Outro ponto interessante seria alguma espécie de vacina com base nesses achados;, ressaltou o especialista, que não participou do estudo.

O infectologista também destacou que o investimento de pesquisa em uma doença negligenciada como a malária é algo a se comemorar. ;É interessante ver que pesquisadores suíços mostraram interesse por uma enfermidade que não faz parte da cultura deles. As doenças tropicais provocam menos interesse médico, pois estão presentes em áreas menos desenvolvidas, o que reduz o número de opções de tratamento;, frisou.

Os autores do estudo também aplicaram o 49c em mosquitos do gênero anopheles, que transmitem a malária para os seres humanos. O uso do inibidor fez com que eles não produzissem oocistos essenciais para que o inseto possa transmitir a doença por meio de sua picada. Os cientistas acreditam que os achados podem ajudar em estratégias futuras que visem bloquear o contágio da doença. Para o infectologista brasileiro, o uso da substância nos insetos pode ser mais complicado. ;É difícil aplicar essa molécula em todos os mosquitos. Outro ponto é que não sabemos quais serão os efeitos que podem surgir dessa intervenção. Pode ser que ela provoque danos ainda mais graves. É preciso ter cuidado;, alertou o especialista.


Transmissão


O Anopheles consegue transmitir a malária quando ingere os gametócitos (femininos e masculinos) de um indivíduo infectado. Dentro do inseto, os gametócitos tornam-se gametas, fecundam e originam o zigoto, que atravessa a parede do estômago do inseto e se transforma em oocisto. Após algum tempo, o oocisto se rompe e libera esporozoítos, que migram para as glândulas salivares do mosquito, capaz de transmitir a doença por meio de sua picada.

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