Ciência e Saúde

Estresse dificulta funcionamento do cérebro, mostra estudo

Em situações de estresse, o órgão deixa de considerar informações periféricas, como a noção de tempo e espaço, para se focar no problema crucial

Vilhena Soares
postado em 10/11/2017 06:00
Ilustração de cérebro dividido com interrogação no topoEntrar em uma discussão e participar de um jogo são exemplos de situações que demandam atenção constante. Além do impacto emocional, a perda da noção de espaço e tempo pode ser registrada em desafios como esses. É o que mostram cientistas austríacos. Ao exibir vídeos de situações estressantes a um grupo de voluntários, constatou-se dificuldades em indicar questões como a localização de objetos presentes nas cenas e a determinação da ordem dos acontecimentos. Os autores do estudo, publicado na revista Frontiers in Behavioral Neuroscience, suspeitam que, diante de situações difíceis, o cérebro concentra a energia na ação principal e deixa de lado outras informações.

Os autores decidiram realizar a investigação tendo como base uma constatação cotidiana. ;Todos de nossa equipe conheciam essa experiência de, em situações estressantes, esquecer algumas coisas. Prestamos menos atenção no que é irrelevante e o pensamento segue focado apenas nas tarefas mais essenciais a serem feitas;, conta ao Correio Thomas Maran, principal autor do estudo e pesquisador da Universidade de Innsbruck, na Áustria.

Para o experimento, os investigadores selecionaram 13 indivíduos (seis mulheres e sete homens, com idade média de 30 anos). Eles assistiram a clipes ;desafiadores;, desenvolvidos para provocá-los por meio de cena violenta (experiência negativa), de sexo (experiência positiva) e uma neutra. Logo em seguida, realizaram tarefas destinadas a testar a capacidade de adquirir um contexto espacial ou sequencial.

As análises mostraram que tanto a cena do sexo quanto a violenta interromperam a capacidade dos participantes de memorizar onde os objetos estavam e a ordem dos acontecimentos. O fenômeno não foi registrado na cena neutra. Para os autores, os resultados apoiam a hipótese de que situações desafiantes ; positivas ou negativas ; fazem com que o cérebro dedique uma cognição ;extra; à ação principal.

;Concluímos que a aquisição de informações de contexto implicitamente apresentadas (onde e quando), embora importante para construir uma representação mental de uma experiência, é interrompida por altos estados de excitação;, detalha Maran. ;Em qualquer situação excitante, o desafio é importante para nossos objetivos e, antes de tudo, para a nossa sobrevivência. Temos, como exemplo, o ato de caça para detectar alimentos quando estamos com fome e situações extremamente perigosas, como acidentes de carro e incêndios;, complementa.

Segundo o mestre em psicologia Vladimir Melo, o estudo pode ser relacionado a outros trabalhos científicos que avaliam como o ser humano reage a situações adversas. ;Ele confirma o esforço do psiquismo para identificar contextos em uma circunstância desconhecida e, com base na experiência, encontrar soluções bem-sucedidas. Essa dificuldade de reconhecer a situação de estresse e ser levado a fugir ou enfrentar é uma tendência natural já conhecida, inclusive nos animais de modo geral, mas a complexidade frente a desafios é algo que demanda mais estudos;, avalia.

Uso clínico

Como o foco do estudo não era a atividade neural, os cientistas não puderam desenvolver uma explicação biológica para a reação dos participantes, mas levantaram algumas suspeitas. Eles acreditam que a resposta pode estar no hipocampo do cérebro, região ligada à memória. Estudos sugerem que as memórias de longo prazo formadas em situação de estresse não têm o contexto e os detalhes periféricos codificados pelo hipocampo. Segundo a equipe austríaca, essas informações são necessárias para o indivíduo se situar no espaço e no tempo, o que sugere uma possível ;destruição; dessa função diante de uma situação potencialmente perigosa.

A intenção é dar continuidade ao estudo para confirmar a hipótese e chegar a dados que possam contribuir para a área médica. ;Nossas descobertas avançam a compreensão do pensamento e do comportamento em estados de alta excitação, que é uma condição muito comum em uma variedade de doenças neuropsiquiátricas que envolvem estados do pânico, como o transtorno bipolar e o estresse traumático;, explica Maran.

Para o investigador, entender que as pessoas nessas condições não são capazes de se localizar em algumas dimensões pode ajudar a escolher as melhores medicação e intervenção. ;Os nossos próximos passos são outras experiências comportamentais para elucidar quão elevados os estados de excitação determinam nosso pensamento e, consequentemente, moldam nossas reações comportamentais;, adianta.

Melo ressalta que mais investigações são bem-vindas, principalmente pelo viés terapêutico. ;Conhecer quais áreas do cérebro e quais mecanismos fisiológicos estão envolvidos é de grande utilidade para compreender certas condições psicopatológicas e desenvolver estratégias de reabilitação neurológica, além de esclarecer como ocorre o processo de aprendizagem em situações desconhecidas;, justifica.

O psicólogo também destaca que outras investigações semelhantes estão em andamento, com achados que poderão se relacionar com o trabalho austríaco. ;Existem estudos de várias áreas que se complementam e buscam compreender amplamente como o cérebro/psiquismo se comporta diante de um estressor, em especial em situações de extremo sofrimento ou adversas. Trata-se de um tema interdisciplinar, que atrai o interesse e reúne pesquisadores de todo o mundo;, diz.

;Conhecer quais áreas do cérebro e quais mecanismos fisiológicos estão envolvidos é de grande utilidade para (;) desenvolver estratégias de reabilitação neurológica, além de esclarecer como ocorre o processo de aprendizagem em situações desconhecidas;
Vladimir Melo, psicólogo

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