Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Supercola fecha feridas oculares até a realização de cirurgias reparadoras

Segundo especialistas, o tratamento temporário poderá evitar danos mais graves, como a perda da visão


Ajudar soldados feridos foi o que motivou os criadores do selante. ;O Exército dos Estados Unidos tem se interessado em desenvolver novas abordagens para o tratamento do trauma ocular, particularmente em ambientes austeros, onde não existe acesso a instalações hospitalares e cirúrgicas completas;, conta ao Correio John Jack Whalen, professor-assistente de pesquisa em oftalmologia na Universidade do Sul da Califórnia (USC) e um dos autores do estudo.

O polímero tem como base o PNIPAM ; um líquido transparente que muda de forma conforme a temperatura. Os pesquisadores criaram uma substância termossensível que tem forma de gel em baixa temperatura e se solidifica ao entrar em contato com a temperatura corporal. ;Desenvolvemos uma seringa que permite que o selante seja rapidamente implantado nos olhos, sem a necessidade de microscópios ou instrumentação microcirúrgica;, detalha Whalen. ;Pegamos essa substância gelada e em forma de gel com essa seringa e, em contato com o corpo, ela se solidifica e fecha a ferida, evitando, assim, que a pressão caia;, completa Paulo Falabella, também autor do estudo, conduzido por ele na USC e na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Agora, ele faz um doutorado na universidade brasileira.

Em modelos de coelhos e porcos com ferimentos de globo aberto ; quando há violação das paredes oculares ;, o selante restaurou a pressão intraocular, com efeito semelhante ao de uma supercola, mas sem toxicidade e com a durabilidade de um mês. ;Nos testes com animais, conseguimos uma pressão ocular cinco vezes maior que em uma pessoa normal, evitando que ela caia e que ocorram danos mais graves, como a cegueira. Isso mostra a segurança do material ao longo tempo;, ressalta Falabella.

Além da durabilidade, a simplicidade no uso do material chama a atenção. ;O selante pode ser implantado em menos de 5 minutos, geralmente entre 2 e 3 minutos. Ele é fácil de usar;, frisa Whalen. ;Nossa intenção é gerar um processo rápido, para ser feito no primeiro atendimento. Algo que o profissional da emergência possa realizar enquanto o paciente espera até ter acesso a um cirurgião. Fizemos até um workshop com especialistas da área oftalmológica para avaliar essa aplicação, o que foi bastante positivo;, complementa Falabella.


Necessidade


Para Marcos Ávila, médico oftalmologista do CBV Hospital de Olhos, em Brasília, e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o selante ocular poderá ajudar a resolver complicações corriqueiras. ;É um problema que enfrentamos muito no dia a dia, principalmente em acidentes de trabalho, em que o paciente chega horas depois de a lesão ter ocorrido e a pressão ocular já está baixa. Tem casos em que a pessoa almoçou ou lanchou antes do procedimento e, por causa disso, a anestesia precisa ser postergada, o que prejudica bastante porque, quanto mais tempo a ferida fica aberta, menores são as chances de eficácia da cirurgia;, detalha o especialista, que não participou do estudo.

Segundo o oftalmologista, os médicos já usam uma cola, o cianocrilato, mas ele não apresenta as mesmas vantagens do novo material. ;Um selante com essas qualidades, com essa durabilidade, ainda não temos. Acredito até que essa seja apenas a ponta do iceberg. Quem sabe essa nova tecnologia possa ser utilizada em outros processos como uma forma de substituir as suturas em transplantes de córnea, por exemplo;, acredita Ávila.

Apesar de otimista, o médico acredita que testes futuros são necessários antes que o selante chegue à clínica. ;Como foram feitos experimentos apenas com animais, temos que ver a segurança (do uso) em humanos, saber também da toxicidade, para certificar que não trará problemas. Outra questão é o custo. Se for alto, pode ser uma barreira;, opina.

O próximo passo dos criadores será o teste em humanos, a fim de testar a validade, a aplicabilidade e a segurança da supercola. ;Atualmente, estamos construindo uma pequena linha de fabricação para produzir produtos clínicos e começar a obter as aprovações da Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora americana, para, dessa forma, iniciar estudos preliminares de segurança em humanos. Esperamos começar os primeiros ensaios clínicos de segurança em meados de 2019;, adianta Whalen.

Segundo Falabella, a próxima etapa também avaliará o custo da nova ferramenta. ;Ainda é cedo para falar sobre valores, mas podemos adiantar que os materiais usados nessa pesquisa são muito utilizados na área médica, o que nos deixa otimistas com relação a um custo não muito alto do produto final;, ressalta o cientista brasileiro.