Ciência e Saúde

Pesquisadores desenvolvem técnicas que ajudam evitar desperdício de comida

Pesquisadores da Filadélfia estudam estratégias contra o desperdício de comida, levando para a mesa pratos feitos com ingredientes que seriam jogados no lixo. Num mundo em que 815 milhões de pessoas não têm o que comer, o reaproveitamento, além de combater a fome, cria empregos e diminui o impacto ambiental dos resíduos

Paloma Oliveto
postado em 25/12/2017 06:00
No Brasil, desde a colheita até o consumidor, o desperdício chega a 40%

Enquanto, em todo o mundo, 815 milhões de pessoas passam fome, um terço da produção de alimentos vai parar no lixo. Um paradoxo que cientistas tentam solucionar, investindo em novas ideias que façam aumentar a aceitação de itens que, normalmente, seriam descartados. De acordo com uma pesquisa da Universidade de Drexel, na Filadélfia, a forma em que se apresenta produtos feitos com esses ingredientes influencia a preferência do consumidor. Os que tiveram maior resposta positiva foram aqueles rotulados como ;upcycled;, um termo sem tradução para o português e que se refere a artigos que ganham um reúso, sem passar pelo processo clássico de reciclagem e, portanto, sem a adição de substâncias químicas.

;Existe um argumento econômico, ambiental e cultural para se tratar o alimento, quando possível, como alimento, e não como lixo;, argumenta Jonathan Deutsch, professor do Centro de Gerenciamento Alimentar da instituição. ;Converter alimentos excedentes em produtos vai alimentar pessoas, criar oportunidades de emprego e empreendedorismo, além de diminuir o impacto ambiental dos resíduos;, diz. Deutsch comanda um projeto piloto de reaproveitamento de alimentos para a população carente no oeste da Filadélfia, onde, de acordo com ele, há um grande contingente de indivíduos de baixa renda, com cenário de insegurança alimentar.



[SAIBAMAIS]Nos Estados Unidos, estima-se que os domicílios despejem no lixo 36 bilhões de toneladas de comida por ano. No Brasil, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla em inglês), desde a colheita até o consumidor, o desperdício chega a 40%. Muitos ingredientes são descartados durante o processo produtivo embora estejam imperfeitos para o consumo apenas devido à aparência. ;A grande questão é: os compradores aceitarão produtos feitos de ingredientes que seriam destinados ao lixo? Uma pessoa comeria e pagaria por uma barra de granola feita de grãos residuais da produção de cerveja ou por um molho de vegetais não apresentáveis para venda nos supermercados?;, questiona Deutsch.

Ele argumenta que, apesar de os benefícios macroeconômicos e sustentáveis dos produtos excedentes parecerem claros, muitos consumidores são relutantes em adquiri-los, por associá-los ao lixo. Por isso, a equipe da Universidade de Drexel tentou decifrar como ocorre o processo de tomada de decisão quando a comunicação sobre esses alimentos é apropriada.

Testes


Os pesquisadores conduziram uma série de testes como uma primeira tentativa de compreender o que se passa na cabeça das pessoas em relação a essa nova categoria alimentar, que eles chamam de alimentos excedentes de valor agregado. Então, examinaram a influência de três fatores que poderiam influenciar a tomada de decisão: a descrição do produto, o rótulo e os benefícios do alimento para o consumidor e para a sociedade como um todo.

No primeiro estudo, os participantes foram apresentados a três categorias alimentares: convencional, orgânico e alimentos excedentes de valor agregado. Então, os pesquisadores mostravam para eles quatro diferentes produtos que usavam essas descrições e pediam para avaliá-los. Os voluntários consideraram que os alimentos excedentes de valor agregado eram mais valorosos para o meio ambiente, comparado à comida convencional, mas menos, em relação aos orgânicos. Esse resultado indicou que eles identificaram claramente a nova categoria, entendendo que era diferente de orgânico e de convencional.

O teste seguinte foi feito com nove rótulos para os alimentos excedentes de valor agregado: upcyled, atualizado, reciclado, adaptado, reprocessado, recuperado, não-processado, reutilizado e resgatado. Upcyled ganhou a preferência dos participantes, seguido por reprocessado. No último teste, os pesquisadores investigaram se os participantes consideravam que os benefícios do produto de valor agregado eram maiores para eles ou para a sociedade como um todo. Os voluntários afirmaram que consumir esse tipo de alimento geraria mais ganhos para o coletivo do que de forma individual.

Segundo Rajneesh Suri, professor da Faculdade de Engenharia Biomédica da Universidade de Drexel e coautor do artigo, publicado no The Journal of Consumer Behavior, as descobertas positivas do estudo são valorosas para os defensores da sustentabilidade, o mercado de alimentos e os acadêmicos. ;Ao explorar a aceitação dos consumidores e a preferência em potencial por produtos de valor agregado, essa pesquisa se torna uma das primeiras a tentar examinar, empiricamente, o processo de avaliação do consumidor para essa nova categoria de alimentos;, diz. O mais importante, segundo os pesquisadores, é que, ao identificar a apresentação ideal dos produtos que iriam parar no lixo, eles podem contribuir para aliviar de alguma forma a crise alimentar global.

;Alimentos excedentes de valor agregado podem ser percebidos como mais próximos dos orgânicos como categoria, encorajando a possibilidade de promovê-los a uma nova categoria que oferece benefícios à sociedade;, acredita Suri. Para ele, isso pode tornar os produtos lucrativos. ;Dependendo da comunicação que você faz a respeito deles, isso pode torná-los produtos premium, como ocorreu com os orgânicos;, diz.

"Ao explorar a aceitação dos consumidores e a preferência em potencial por produtos de valor agregado, essa pesquisa se torna uma das primeiras a tentar examinar, empiricamente, o processo de avaliação do consumidor para essa nova categoria de alimentos;
Rajneesh Suri, professor da Universidade de Drexel e coautor do estudo

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