Vilhena Soares
postado em 27/12/2017 08:00
Ao caminhar por uma rua movimentada, várias pessoas passam lado a lado, mas apenas poucos rostos são percebidos pelos pedestres. Essa ;seleção; não é aleatória, como mostram cientistas israelenses. Pesquisadores da Universidade Hebraica James Marshall, em Jerusalém, realizaram um experimento com 174 pessoas, que foram monitoradas enquanto eram expostas a uma série de faces. Como resultado, eles observaram que a maioria dos rostos que demonstravam dominância e ameaça estavam entre os reconhecidos mais rapidamente pelos voluntários. Os autores do estudo, publicado no periódico especializado Nature Human Behavior, acreditam que as descobertas podem ajudar a área médica no desenvolvimento de tratamentos para transtornos neurais.
Os cientistas ressaltaram que a pesquisa é uma continuação de investigações realizadas por eles com o objetivo de desvendar os segredos da mente humana. ;Estávamos trabalhando em estudos ligados à consciência e focamos na percepção por um longo tempo. A ideia de analisá-la em relação ao reconhecimento de rostos surgiu daí;, explicou ao Correio Ran Hassin, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade Hebraica James Marshall, em Jerusalém.
[SAIBAMAIS]Nos experimentos, os pesquisadores expuseram os 174 voluntários a 300 conjuntos de imagens que mudavam rapidamente. Diante de um dos olhos dos participantes, foram exibidos retratos de rostos humanos. Simultaneamente, formas geométricas foram apresentadas. Os voluntários, então, recebiam instruções para pressionar uma chave do computador assim que vissem a face de uma pessoa.
Estímulos
Na análise da ;investida de estímulos;, nome dado pelos investigadores para o tempo que o cérebro precisa para codificar os flashes rápidos em imagens e entender que elas são rostos, os pesquisadores observaram que as dimensões faciais registradas mais rapidamente pelos voluntários eram aquelas que indicavam poder e dominância. ;Ao caminhar ao redor do mundo, nossas mentes inconscientes são confrontadas com uma tremenda tarefa: decidir quais estímulos ;merecem; ser percebidos conscientemente e quais não;, explicou Hassin. ;O algoritmo mental que descobrimos prioriza profundamente o domínio e a ameaça potencial. Nós, literalmente, vimos a velocidade com que essas imagens romperam a mente inconsciente e se registraram em um nível consciente;, destacou o autor do estudo.
Os pesquisadores ficaram satisfeitos com os resultados obtidos, mas destacam que ainda não sabem explicar o motivo da ;seleção; feita pelo cérebro. ;Não temos como dizer o porquê. Na verdade, nessa pesquisa nós só nos perguntamos ;o que; e encontramos basicamente uma dimensão física que se correlaciona com a dominância e o poder;, explicou Hassin. Apesar de não conseguirem justificar porque a dominância e a ameaça são os fatores relacionados à seleção de rostos feita pelo cérebro, os cientistas apresentaram teorias sobre os resultados do experimento.
;Este estudo dá uma visão dos processos inconscientes que moldam nossa consciência. Esses processos são dinâmicos e, muitas vezes, baseiam-se na motivação pessoal. Hipoteticamente, se você está procurando um parceiro romântico, seu cérebro ;verá; as pessoas de forma diferente do que se você já estiver em um relacionamento;, disse Hassin. ;Inconscientemente, seu cérebro ;priorizará; rostos de parceiros potenciais e ignorará outras faces. Da mesma forma, isso pode ocorrer por meio de outras motivações, como evitar o perigo. Seus olhos podem escolher certos rostos ;ameaçadores; no meio de uma multidão para que você tome cuidado;, complementou o autor da pesquisa.
Os autores darão continuidade à pesquisa e, no futuro, pretendem analisar se a percepção de rostos pode ser alterada. ;Estamos tentando mudar essa dimensão, observar o que pode ocorrer com mudanças ambientais. A ideia é que essa dimensão seja funcional, sirva nossos objetivos e motivações, se isso for verdade, nós acreditamos que podemos influenciar os resultados. Caso esse próximo passo se torne realidade, também queremos descobrir o que podemos fazer com novos rostos que antes não eram conscientes para nós;, adiantou o autor.
"Seus olhos podem escolher certos rostos ;ameaçadores; no meio de uma multidão para que você tome cuidado;
Ran Hassin, pesquisador da Universidade Hebraica James Marshall, em Jerusalém.
Auxílio médico
Os pesquisadores da Universidade Hebraica James Marshall acreditam que entender os mecanismos envolvidos no reconhecimento de rostos pode abrir caminho para uma melhor compreensão de problemas como o autismo, o deficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e outros transtornos. ;Quem sabe, no futuro, será possível treinar as pessoas para que elas possam perceber certas dimensões faciais com outras características, além da ameaça. Poderíamos treinar indivíduos com autismo para serem mais sensíveis às ;pistas; sociais;, ressaltou Ran Hassin, um dos autores do estudo.
Para Carlos Uribe, neurologista do Hospital Brasília, a pesquisa pode contribuir para um maior entendimento e até para desenvolvimento de novos tratamentos para distúrbios psiquiátricos. ;Transtornos de ansiedade, por exemplo, em que as pessoas possuem problemas na percepção, poderiam ser beneficiados com tratamentos. O autismo, que até hoje não entendemos muito bem, também. As pessoas que sofrem com esse problema enfrentam dificuldade com estímulos sociais. É claro que muito mais precisa ser estudado, porém, esses achados podem ajudar a entender melhor o funcionamento neural;, destacou o especialista.
Na avaliação de Uribe, a pesquisa mostra dados interessantes sobre um mecanismo cerebral que é muito utilizado no cotidiano, pouco abordado cientificamente e que merece ser mais estudado. ;Explora as bases da percepção inconsciente, como as escolhas que não percebemos, as que fazemos no dia a dia, e que chegam à nossa consciência. É um assunto muito interessante, pois mostra o poder do cérebro. Ele tenta achar padrões conhecidos para não ter perigo, e uma tarefa relevante que exige essa tarefa é o reconhecimento de rostos humanos, um mecanismo importante para nossa vida em sociedade;, destacou o especialista, que não participou do estudo.