Ciência e Saúde

Estudo mostra que ingestão de placenta tem pouco efeito no humor pós-parto

Pesquisa americana revela que placentofagia não causa benefícios como a melhora do humor e a reposição de hormônios e nutrientes. Especialistas defendem que a prática seja melhor estudada

Sara Sane*
postado em 30/12/2017 06:00

Pesquisa americana revela que placentofagia não causa benefícios como a melhora do humor e a reposição de hormônios e nutrientes. Especialistas defendem que a prática seja melhor estudada Comer a placenta é comum em algumas culturas e espécies de animais. Mas após celebridades, como a socialite e atriz norte-americana Kourtney Kardashian e a culinarista brasileira Bela Gil, terem revelado ser adeptas da placentofagia, a prática ampliou fronteiras e chamou a atenção de cientistas. Um grupo da Universidade da Nevada, nos Estados Unidos, porém, defende que é preciso ter cautela. A pesquisa conduzida por eles mostra que a ingestão de cápsulas de placenta tem pouco ou nenhum efeito no humor pós-parto, na fadiga e na ligação materna com o bebê, benefícios disseminados por praticantes e curiosos. Detalhes do trabalho foram divulgados recentemente na revista Women and Birth.


A autora, Sharon Young, e sua equipe realizaram o estudo com 27 mulheres saudáveis, recrutadas durante a gravidez e separadas em dois grupos: 12 tomaram as cápsulas de placenta e 15 compuseram o grupo placebo, que ingeriu pílulas de mentira. As voluntárias encontraram-se com os pesquisadores quatro vezes durante a gestação e o pós-parto e responderam a questionários sobre humor, energia, suporte social e ligação com o bebê.

;Nos dois primeiros encontros, elas não tomaram o suplemento de placenta ou o placebo, para que pudessem ser coletados sangue, saliva e os dados do questionário. A partir do segundo encontro, as participantes começaram a tomar os comprimidos;, conta Sharon Young, que destaca que nem as participantes nem os pesquisadores sabiam qual suplemento a gestante estava tomando até o fim do estudo.
Ao comparar os dados dos dois grupos, a equipe identificou que não houve diferenças significativas nas concentrações de hormônio materno ou no humor pós-parto entre eles. Para Sharon Young, embora o estudo não ofereça suporte a favor ou contra o consumo de placenta, ele dá luz ao assunto com os primeiros resultados de uma análise clínica sobre os impactos da ingestão de cápsulas desse órgão no humor, na energia e nos hormônios após o parto.

Geralmente, as mulheres comem a placenta em cápsula ou em estado bruto. No primeiro caso, esse órgão humano é seco, transformado em pó e encapsulado. No segundo, não há intervenções do tipo. Há mães que misturam a placenta com outros alimentos e os ingerem e aquelas que, como outros animais, praticam a placentofagia imediatamente após o parto.

Para Fernando Reis, pesquisador na área de hormônios placentários e professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o fato de existir um comportamento na natureza animal não significa que ele seja adequado para humanos. ;Os vendedores do produto alegam que ele serve para repor nutrientes e hormônios. Todavia, os nutrientes podem ser repostos de forma mais natural e prazerosa e a custo mais baixo por meio da alimentação;, explica.


Riscos no preparo

Segundo o professor, os hormônios da placenta não precisam ser repostos e, se precisassem, haveria formas mais precisas e seguras de administrá-los. Há ainda, de acordo com ele, o risco de contrair agentes infecciosos que contaminam a placenta durante o preparo das cápsulas. ;O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos recomenda que se evite a prática pelo risco de contaminação;, complementa. Fernando Reis destaca ainda que estudo americano foi realizado com o melhor método científico para testar o efeito de tratamentos: o ensaio clínico com alocação aleatória de participantes, duplo-cego e controlado por placebo.

De acordo com Lizandra Paravidine, chefe da Unidade Materno-Infantil do Hospital Universitário de Brasília (HUB), os defensores da prática afirmam que a placentofagia promove a prevenção da depressão pós-parto, o aumento da produção do leite, o aumento da energia e disposição da mãe e a diminuição de sangramento pós-parto. Contudo, ressalta a especialista, esses efeitos benéficos não foram comprovados cientificamente, assim como não há certeza se as preparações para o consumo não alteram a composição e a quantidade de hormônios e nutrientes presentes na placenta.

Autora de um estudo sobre a percepção das mulheres sobre o ato de comer a placenta, Stephanie Schuette diz que, como a pesquisa conduzida por Sharon Young foi feita principalmente com mulheres caucasianas, tipo físico geral de algumas populações da Europa, ela não pode ser generalizada para mulheres de outras culturas. ;Mais pesquisas empíricas são necessárias para validar a crença de que a placentofagia pode ser protetora contra a depressão pós-parto e os outros benefícios descritos pela prática;, defende a doutoranda em psicologia clínica na Universidade de Duke, nos Estados Unidos.

Segundo Sharon Young, o estudo conduzido por ela e a equipe sinaliza outras áreas que devem ser exploradas. ;Por exemplo, os pequenos impactos, embora não robustos, em mulheres que tomam as cápsulas de placenta, além de pequenas melhorias no humor e na fadiga desse grupo;, lista. ;Pesquisas mais completas são necessárias para descobrir até que ponto essa prática pode oferecer algum tipo de efeito terapêutico.;

* Estagiária sob a supervisão da subeditora Carmen Souza

Defesa e festa

Chamado de placentofagia, o ato de comer a placenta é praticado pela maioria dos animais mamíferos e alguns herbívoros. Geralmente, os bichos fazem isso para não deixar rastros do nascimento dos filhotes, evitando a ação de predadores. Entre os humanos, é até motivo de comemoração. No norte da Califórnia e no Reino Unidos, há a chamada Festa da Placenta, em que se prepara uma refeição com o órgão, compartilhada entre os convidados. Na medicina tradicional chinesa, a placenta humana também é utilizada como ingrediente.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação