Victor Correia*
postado em 07/01/2018 08:00
Cadeiras de plástico à beira do rio, latinhas amassadas jogadas à terra e visitantes alimentando peixes e outros animais. O cenário não é incomum quando o destino são paisagens naturais. Erros ou falta de administração e pouca consciência ambiental de turistas estão entre as razões do problema. Porém, até mesmo o ecoturismo, atividade que busca impactar o menos possível o meio ambiente, pode causar mudanças nas populações de animais, incluindo o aumento do risco de extinção de espécies. É o que mostra o livro Ecotourism;s promise and peril: a biological evaluation (Promessa e perigo do ecoturismo: uma avaliação biológica, em tradução livre), lançado recentemente pela editora Springer e ainda sem versão em português.
A publicação reúne trabalhos sobre os tipos de impacto causados pela presença do ecoturismo na vida selvagem e traz uma nova leitura de dados já conhecidos sobre o assunto. ;Tem coisas que decorrem da mera presença do turista. Só o fato de ele estar lá gera um estresse;, afirma Eduardo Bessa, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) e um dos autores do livro. Ele e outros três cientistas ; o brasileiro Diogo Samia, pesquisador de pós-doutorado no Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP), Benjamin Geffroy, do Instituto Francês de Pesquisa para a Exploração do Mar (Ifremer), e Daniel Blumstein, da Universidade da Califórnia, Los Angeles ; escolheram estudos de 20 pesquisadores para compilar o livro.
A obra traz algumas informações inéditas, como um estudo sobre a criação de neurônios em um tipo de peixe encontrado em ambientes turísticos. Conduzida por Eduardo Bessa e Benjamin Geffroy, a pesquisa mostra que os indivíduos da espécie Odontostilbe pequira, de nome popular tetra, chegam a criar mais neurônios para lidar com o desafio de interagir com visitantes. Isso ocorre porque eles apresentam maior expressão de genes ligados à criação neuronal, o que pode deixá-los mais inteligentes. Não se sabe, porém, as consequências desse processo a longo prazo. A pesquisa, feita em Nobres, no Mato Grosso, aguarda a avaliação de uma revista científica para ser divulgada com detalhes.
Outro impacto detectado ; claramente negativo ; é um possível aumento no estresse de espécies que vivem em locais visitados. As populações dos peixes Moenkhausia bonita e Crenicichla lepidota ; conhecidos popularmente como lambari e joaninha, respectivamente ;, de áreas turísticas, têm níveis mais altos de cortisol, o hormônio do estresse. ;Eles, sem motivo, estão em um nível de tensão tão alto que parecem executivos. Isso baixa a resposta imune e deixa os bichos mais suscetíveis a doenças;, explica Eduardo Bessa. Publicada em 2014 na revista Neotropical Ichthyology, a constatação foi feita por Ana Carolina Lima, à época, da Universidade de Aveiro, em Portugal, e atualmente pesquisadora da Universidade de Calgary, no Canadá.
Até a reprodução dos animais pode ser afetada. Eduardo Bessa e a pesquisadora Eliane Gonçalves-de-Freitas, da Universidade Estadual Paulista, publicaram, também em 2014, na revista Tourism Management, resultados de uma pesquisa que mostra que as fêmeas de Joaninha relutam em depositar seus ovos nos ninhos, feitos pelos machos, em locais com a presença de turistas. Elas consideram, por exemplo, a ameaça de pisoteamento. ;Todos esses trabalhos que mostram os impactos do ecoturismo nunca foram feitos no sentido de proibi-lo, mas de fazê-lo melhor do que já é. O livro é uma convocação para pensarmos o turismo também como atividade que causa pressão no ambiente;, ressalta o professor da UnB.
Alternativa sustentável
Segundo os autores, mesmo com os possíveis impactos ambientais da atividade, o ecoturismo é uma ferramenta muito importante para a preservação da natureza e uma grande oportunidade do ponto de vista econômico. Mas é preciso, ressaltam, entender os efeitos dessa atividade para melhorá-la. Por isso, o livro também traz informações para que agências de turismo e visitantes possam aproveitar o meio ambiente de forma sustentável.
;Vamos pensar em um atol, um recife de coral. Você poderia explorá-lo em termos de mineração, cálcio, fazer pesca intensiva. Com essas alternativas, praticar turismo é muito menos prejudicial;, compara Eduardo Bessa. ;Do ponto de vista da conservação, o ecoturismo é frequentemente mais desejável do que atividades como a urbanização, a agricultura e a mineração. Isso não quer dizer que todos os seus impactos sejam aceitáveis ou irrelevantes;, completa o também autor Diogo Samia.
O pesquisador da USP ressalta que, ao se balancear os três aspectos inerentes ao ecoturismo ; ambiental, social e econômico ;, a atividade se torna a melhor prática de exploração de ambientes naturais. Diogo Samia participou, com os outros autores do livro, de uma pesquisa que mostra como a presença do turismo pode deixar os animais mais vulneráveis a predadores. Segundo o estudo, publicado em 2015 na revista Trends in Ecology & Evolution, a proximidade dos humanos pode diminuir o número de predadores em um local, tornando as possíveis presas menos atentas. Além disso, animais acostumados com pessoas podem perder o medo de outros bichos, virando alvos fáceis.
Novos hábitos
Segundo os pesquisadores brasileiros, algumas práticas comuns entre agentes de turismo podem aumentar o dano aos locais visitados, como alimentar os peixes, permitir que os visitantes saiam da trilha ou perseguir os animais. O livro traz soluções pontuais a fim de que esses hábitos sejam amenizados ou eliminados. Controlar o número de visitantes, evitar práticas agressivas e sons altos estão entre as medidas sugeridas.
A conscientização do próprio turista também é lembrada: não sair das trilhas, buscar sempre empresas conhecidas pela preocupação com o ambiente e cobrar essas práticas quando não estiverem presentes. ;Nós nos embasamos nas últimas décadas de estudos sobre os impactos gerados pelo ecoturismo e sugerimos boas práticas;, afirma Diogo Samia. ;Sugerimos ações rigorosas contra a poluição e a introdução de espécies exóticas, propomos evitar ao máximo alimentar e tocar os animais e, ainda, o monitoramento contínuo das comunidades naturais.;
Brasil em alta
De acordo com a Embratur, o Brasil é considerado pelo Fórum Econômico Mundial como o país com mais atrativos naturais para o turismo nos últimos três estudos sobre o tema. Ter a maior biodiversidade de espécies do mundo, distribuídas por seis biomas e três grandes ecossistemas marinhos, é o grande chamariz nacional. O órgão afirma ainda que 16,6% dos estrangeiros que nos visitaram a lazer em 2016 buscaram especificamente a natureza, o ecoturismo e a aventura.
Quatro perguntas para
Eduardo Bessa, professor do programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade de Brasília e um dos autores do livro Ecoturism;s Promise and Perfil ; A Biological Evaluation
Eu vou dar alguns exemplos em peixes, mas que extrapolam para outros grupos. Tem mudanças no nível fisiológico, como a expressão de genes ligados à neurogênese. Os bichos ficam, de certa forma, mais inteligentes, eles desenvolvem tecido neuronal para aprender a lidar com aquele desafio novo, meio caótico e aleatório, da presença dos turistas. O animal também tem a expressão do cortisol, o hormônio do estresse, muito mais alta. São bichos estressados, que se assustam com qualquer coisa. Eles, sem motivo, estão em um nível de tensão que parecem executivos. Isso baixa a resposta imune e deixa os bichos mais suscetíveis a doenças. No nível comportamental, esses bichos se tornam mais dóceis a humanos, a gente deixa de assustá-los. Peixes territorialistas, que brigam com outros e isolam um território onde só eles e as parceiras reprodutivas podem entrar, deixam de defender seus territórios, tornam-se mais medrosos.
Há uma série de mudanças comportamentais, e elas se refletem em mudanças ecológicas. Por exemplo, tem um peixe em Mato Grosso, a piraputanga, que o pessoal gosta muito de dar ração para o bicho chegar mais perto do turista. Só que ele é um dispersor de sementes muito forte. Como está saciado pelo alimento dado pelos turistas, deixa de prestar esse serviço ambiental.
Tem coisas que decorrem da mera presença do turista. Agora, depende muito do que o turista está fazendo. Passarem cinco pessoas e passarem 150 são coisas completamente diferentes, assim como passar um grupo silencioso e um barulhento. Um grupo que fique muito tempo nos lugares também tem outro impacto para o bicho. Controlar o número de visitantes e o tempo que eles ficam com os animais seria uma medida bastante interessante. Reduzir práticas agressivas também, algumas empresas perseguem baleias e golfinhos para chegar mais perto deles. Deixar o bicho em paz já seria um excelente começo.
Sendo o menos barulhento possível. Em todos os sentidos, não só no sonoro. Uma roupa muito colorida dentro de uma mata é tão barulhenta, visualmente, quanto uma pessoa falando alto ou ouvindo música. Evitar sair das trilhas oficiais, acampar onde não é destinado a isso ou, pior ainda, fazer fogueira. E, se a empresa turística não está com esse foco, ser o cara chato que vai cobrar isso. ;Escuta, mas será que é adequado a gente dar comida para esses bichos? Será que é adequado a gente perseguir ele? A fêmea está com filhote ali, será que é legal a gente fazer isso?;. Eu gostaria de reforçar isso: façam turismo na natureza, vão visitar as chapadas, visitar, que seja, a Água Mineral, a região da Amazônia. É interessante praticar o turismo de natureza, assim como é interessante ser um turista crítico, que vai cobrar práticas interessantes dos agentes turísticos para que a visitação seja bacana e vantajosa também para quem está sendo visitado.
;É interessante praticar o turismo de natureza, assim como é interessante ser um turista crítico, que vai cobrar práticas interessantes dos agentes turísticos para que a visitação seja bacana e vantajosa também para quem está sendo visitado;
* Estagiário sob a supervisão da subeditora Carmen Souza