Paloma Oliveto
postado em 22/03/2018 06:00
Oito em cada 10 pessoas sofrerão de lombalgia em algum momento da vida. Desde a década de 1990, aumentou em 50% o total de anos vividos com incapacidades provocadas pelo problema, especialmente em países de rendas baixa e média. Essa é a principal causa de afastamento do trabalho no mundo e no Brasil, e, com o envelhecimento populacional associado à epidemia de obesidade, ao sedentarismo e ao tabagismo, a tendência é piorar. Ainda assim, na avaliação de especialistas, a dor na região lombar da coluna tem merecido pouca atenção nos sistemas de saúde público e privado.
Em uma série de artigos publicados na edição de ontem da revista The Lancet, pesquisadores de várias instituições criticam a falta de prevenção e o tratamento dispensado aos pacientes, muitas vezes agressivo e sem resultados, segundo os autores. ;Milhões de pessoas ao redor do mundo estão recebendo cuidados errados para lombalgia;, aponta Jan Hartvigsen, autor da série e pesquisador da Universidade do Sudeste da Dinamarca. ;Proteger a população de abordagens não comprovadas ou prejudiciais ao manejo da dor lombar exige que os governos e os chefes de serviços de saúde enfrentem estratégias contraproducentes, muitas vezes guiadas por interesses financeiros;, afirma, referindo-se a exames caros e cirurgias que, de acordo com ele, são desnecessários na maior parte dos casos.
Hartvigsen defende que os órgãos que financiam a saúde paguem apenas por cuidados de valor clínico reconhecido e ;parem de gastar com testes e tratamentos ineficazes e perigosos, intensificando pesquisas de prevenção, exames melhores e tratamentos melhores;. Para ele, a lombalgia deveria ser tratada na atenção primária. ;A primeira linha de tratamento deveria ser educação e aconselhamento para o indivíduo se manter ativo;, afirma.
A estagiária de direito Domitila Gomes Barroso, 34 anos, saiu de uma crise de lombalgia com tratamento conservador: fisioterapia e acupuntura. ;Há dois anos, fui me abaixar para abrir o armário da cozinha e não consegui mais me mexer, eu ;travei;;, conta. Ela diz que, antes disso, sentia dores esporádicas, mas achava que era normal. Também confessa que a postura nunca foi das melhores, principalmente quando estava estudando ou trabalhando. O tratamento funcionou para Domitila e, hoje, ela raramente sente incômodo na lombar.
;A maior parte dos casos de lombalgia responde a terapias físicas e psicológicas simples, que mantêm as pessoas ativas, permitem que elas continuem trabalhando;, diz Rachelle Buchbinder, também autora da série e pesquisadora da Universidade de Monash, na Austrália, por meio da assessoria de imprensa da instituição. ;Geralmente, porém, os tratamentos mais agressivos são os que mais geram reembolsos altos;, denuncia. Para Buchbinder, muitos dos exames caros de imagem seriam desnecessários, assim como a quantidade de medicamentos para a dor prescritos, incluindo opioides. Nos Estados Unidos, a dependência a esse tipo de remédio já é considerada um grave problema de saúde pública.
Excessos brasileiros
No Brasil, tratamentos invasivos também são excessivos, afirma Lucíola Menezes Costa, professora do programa de mestrado e doutorado da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e autora de um dos artigos publicados na série. ;Uma pesquisa recente do Hospital Albert Einstein com pacientes que receberam recomendação cirúrgica mostrou que, quando ouvem uma segunda opinião, a concordância dos médicos é inferior a 50%. O mais assustador é que 11% desses pacientes nem sequer tinham problema de coluna. Aqui, as cirurgias ainda são usadas de forma exagerada;, diz.A professora da Unicid lamenta que, mesmo quando conduzidos para o tratamento convencional, à base de fisioterapia, muitos pacientes não consigam resolver o problema. ;Como o plano de saúde reembolsa muito pouco os profissionais, os fisioterapeutas colocam o paciente nas máquinas e não fazem exercícios com eles ; sendo que o exercício é o mais indicado como tratamento. Mas fazer exercício individualmente é algo caro;, diz. Dependendo do plano, um fisioterapeuta pode receber menos de R$ 20 por sessão.
Outro problema, segundo Lucíola Menezes Costa, é a falta de informação entre profissionais de saúde. ;Os profissionais se formam e não se atualizam. A ciência é muito dinâmica e, aqui no Brasil, muitos clínicos ignoram e não aplicam o conhecimento científico na prática. Nosso grupo de pesquisa fez um estudo que revelou que os clínicos são favoráveis à ciência, mas poucos sabem interpretar artigos científicos e nem sequer leem em inglês;, diz.
Pouca orientação
A lombalgia é uma condição que afeta principalmente adultos em idade produtiva. Segundo a série da The Lancet, alguns estudos sugerem que fatores psicológicos e econômicos desempenhem um papel na dor persistente. ;A maior parte dos episódios dura pouco e têm pouca ou nenhuma consequência, mas episódios recorrentes são comuns (cerca de uma em três pessoas terá recaída dentro de um ano depois de se recuperar);, destaca um dos artigos.Para os autores, é essencial esclarecer tanto a população quanto os profissionais de saúde em relação às causas, ao prognóstico e à eficácia dos diferentes tratamentos disponíveis. ;Nossas abordagens atuais estão falhando no sentido de reduzir o fardo da incapacidade por lombalgia. Precisamos mudar a forma como o tratamento é feito e ajudar países de rendas baixa e média a evitar o desenvolvimento de serviços de alto custo com efetividade limitada;, comenta Martin Underwood, coautor dos artigos e pesquisador da Universidade de Underwood, na Inglaterra.
Palavra de especialista
Falta investir na prevenção
;Hoje, não se tem, por conta dos agentes de saúde, uma preocupação com a prevenção. Muitos dos casos de lombalgia estão relacionados aos maus hábitos que vamos levando no decorrer da vida. Um dos principais fatores hoje que desencadeiam o problema, por exemplo, é o ato de sentar. Vemos que adolescentes e crianças não têm consciência corporal de como se sentar, como carregar uma mochila.
Às vezes, mulheres têm hábito de cruzar a perna, e isso faz com que o quadril e as articulações fiquem em um movimento de torção. Então, você gera um desfuncionamento articular do corpo, causando muitas assimetrias, como escoliose, que é muito comum em adolescentes em decorrência do mecanismo de compensação.
Quando o paciente procura um agente de saúde, o primeiro processo é receber injeção de medicamentos, principalmente anti-inflamatório e relaxante muscular. A gente sabe que isso não tem efeito no nível mecânico do corpo, porque os opioides só vão mascarar o quadro no momento, mas a causa, que às vezes está relacionada com a ineficiência mecânica do corpo, não vai ser controlada.
A curto prazo é interessante tirar a dor do paciente, mas, com o passar dos dias, ela retoma e vai voltando com uma intensidade cada vez maior.;
Carlos Magno, fisioterapeuta e osteopata do Ibhysical (Instituto Brasília de Fisioterapia e Hidroterapia) e membro do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional