postado em 27/03/2018 06:00
A degradação do solo motivada pela atividade humana já alterou 75% do território global e, atualmente, afeta 3,2 bilhões de pessoas ; quase a metade da população do planeta. No primeiro relatório já publicado sobre o assunto, lançado ontem pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (Ipbes) em Medelim, na Colômbia, especialistas de 45 países alertaram que, associada ao aquecimento global, a destruição progressiva da superfície terrestre provocará migrações em massa até 2050, intensificando a já dramática crise de deslocamentos humanos.
As consequências da alteração do solo não se esgotam aí, afirmaram os mais de 100 pesquisadores voluntários, que elaboraram o documento com base em centenas de publicações científicas e em um levantamento de três anos. Além das migrações, eles destacam a redução da área para cultivo de alimento e a piora da qualidade da água. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) calcula que 95% dos alimentos para os humanos são produzidos de forma direta ou indireta nos solos. Com uma população que vai exceder os 9 bilhões de pessoas em 2050, os impactos da mudança climática e a luta pelos recursos naturais, a FAO considera fundamental que se eleve a qualidade dos alimentos, usando os terrenos atualmente cultivados.
;Os danos causados no solo podem afetar nossa capacidade para produzir comida, degradar a qualidade da água e eliminar as superfícies produtivas. Dessa forma, as pessoas podem perder seus meios de subsistência, e, no geral, terão de imigrar enquanto a terra se degrada;, declara Robert Watson, presidente da Ipbes, um organismo independente que reúne 129 países. O problema não se reduz a uma ou outra nação: ;A degradação da terra não é uma questão de nicho. Atualmente, afeta muitas partes do mundo e muitas pessoas;, completa Watson. Os pesquisadores estimam que pelo menos 50 milhões de pessoas terão de sair de seu território natal em busca de alimentos em 2050.
Exploração
O diagnóstico foi aprovado na plenária do sexto encontro do Ipbes, no qual participaram autoridades de 116 dos estados-membros da organização e mais de 750 cientistas. A elaboração do texto foi um pedido da Convenção das Nações Unidas para a Luta contra a Desertificação ante a falta de documentação científica sobre a problemática. Na sexta-feira, o Ipbes alertou que a humanidade está colocando em risco seu próprio bem-estar com a exploração excessiva dos recursos naturais e danos à biodiversidade. ;Essa tendência alarmante coloca em perigo as economias, os meios de subsistência, a segurança alimentar e a qualidade de vida das pessoas em todas as partes do mundo;, concluíram quatro relatórios elaborados por mais de 550 cientistas para a Ipbes.
A fauna e a flora continuam sendo degradadas de uma forma severa em todas as partes do planeta e, assim, a Terra enfrenta a primeira extinção em massa de espécies desde o desaparecimento dos dinossauros. Mas, desta vez, na equação do desastre não aparece um meteoro, e, sim, o homem. ;A degradação da superfície da terra por causa das atividades humanas está empurrando o planeta para uma sexta extinção em massa das espécies;, afirma Robert Scholes, codiretor do relatório. ;A degradação da biodiversidade está reduzindo significativamente a capacidade da natureza de contribuir ao bem-estar das pessoas;, concluíram os pesquisadores.
Espécies em risco
Elaborados por quase 600 cientistas ao longo de três anos, quatro outros relatórios divulgados pela Ipbes, em Medelim, destacam que a atividade humana está arrasando a biodiversidade, o que coloca em riso a sobrevivência da própria humanidade. ;Estamos minando nosso próprio bem-estar futuro;, diz Robert Watson.
Os estoques de peixes podem se esgotar até 2048 e mais da metade das espécies de aves e mamíferos da África desaparecer até 2100, a menos que medidas drásticas sejam tomadas, destacam os estudos. Cerca de 90% dos corais da Ásia-Pacífico sofrerão degradação severa até 2050, enquanto, na Europa e na Ásia Central, quase um terço das populações conhecidas de peixes marinhos e 42% dos animais e plantas terrestres estão em declínio. ;Essa tendência alarmante coloca em risco as economias, os meios de subsistência, a segurança alimentar e a qualidade de vida das pessoas em todos os lugares;, alertam os estudos.
A avaliação da Ipbes dividiu o mundo em quatro: Américas, África, Ásia-Pacífico, Europa e Ásia Central ; todo o planeta, exceto a Antártida e os mares abertos. Cientistas voluntários examinaram cerca de 10 mil publicações científicas para o mais extenso levantamento sobre biodiversidade desde 2005. ;A biodiversidade continua sendo perdida em todas as regiões do globo. Estamos perdendo espécies, estamos degradando ecossistemas... se continuarmos agindo dessa forma, continuaremos perdendo biodiversidade a taxas crescentes;, diz o trabalho.
Para as Américas, a pesquisa alertou que as populações de espécies ; 31% menores do que quando os primeiros colonos europeus chegaram ; terão encolhido cerca de 40% até 2050. Na África, estima-se que aproximadamente 500 mil quilômetros quadrados de terra africana estejam degradados. O continente sofrerá perdas de plantas significativas e seus lagos serão 20-30% menos produtivos até 2100. Na União Europeia, apenas 7% das espécies marinhas avaliadas se encontram em um estado de conservação favorável. Os cientistas dizem que o consumo voraz da biodiversidade pela humanidade desencadeou a primeira extinção em massa de espécies desde o desaparecimento dos dinossauros ; a sexta em nosso planeta em meio bilhão de anos.
Nos relatórios, os cientistas apontam possíveis soluções: criar mais áreas protegidas, restaurar zonas degradadas e repensar os subsídios que promovem a agricultura insustentável. Governos, empresas e indivíduos devem considerar o impacto sobre a biodiversidade ao tomar decisões sobre agricultura, pesca, silvicultura, mineração ou desenvolvimento de infraestruturas, sustentam.