Ciência e Saúde

Droga experimental estimula a autodestruição do câncer de próstata

Estudo mostra que droga experimental desenvolvida para problemas de memória é capaz de reduzir câncer de próstata resistente a tratamento. Em ratos, a substância incita a produção de uma proteína capaz de fazer com que as células doentes se exterminem

Paloma Oliveto
postado em 05/05/2018 07:00
Segundo tipo mais comum de câncer em homens, atrás apenas do de pele, o tumor de próstata costuma responder bem aos tratamentos e, muitas vezes, sequer se manifesta clinicamente. Porém, dependendo da mutação, ele pode ser agressivo, crescer desordenadamente e se espalhar para outros órgãos. Nesses casos, não há, até o momento, medicamentos capazes de detê-lo. Agora, pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF) descobriram que uma droga experimental desenhada para combater problemas de memória e cognição é capaz de induzir as células doentes a se destruir, sem prejudicar as saudáveis.

De acordo com o principal autor do trabalho, Davide Ruggero, professor de urologia e farmacologia molecular da UCSF, os pesquisadores foram atrás de um mecanismo pouco explorado até agora: a resposta do câncer ao estresse celular. O que caracteriza um tumor é o crescimento e a multiplicação infinita das células, estimuladas por determinados genes mutantes. Isso não acontece sem custo. Para se reproduzir interruptamente, há um gasto energético muito grande, que poderia levá-las à morte, não fosse a produção de proteínas que funcionam como combustível, repondo o que se perdeu no processo e permitindo que o tecido tumoral continue se desenvolvendo. O que os cientistas fizeram foi bloquear essa resposta, minando as forças das células cancerosas. Em ratos, a estratégia foi bem-sucedida.

Ruggero explica que, depois de analisar dezenas de tecidos tumorais humanos, os pesquisadores constataram que as células do câncer de próstata agressivo se ;viciam; no processo de síntese proteica. ;Então, descobrimos que há dois lados nessa história. A proteína é necessária para a rápida taxa de crescimento, mas, em excesso, se torna tóxica e mata a célula. Existem moléculas que controlam o ;vício; das células para evitar esse excesso. O que fizemos foi retirá-las. Quando isso acontece, elas morrem rapidamente, em resposta à sua própria ganância por proteína;, explica. O artigo foi publicado na revista Science Translational Medicine.

Ruggero conta que a equipe trabalhou com ratos manipulados geneticamente para desenvolverem tumores de próstata que contêm duas mutações bastante comuns, presentes em quase 50% dos pacientes que, mesmo com a cirurgia de remoção do órgão, não conseguem se ver livres do câncer. Uma delas estimula a superexpressão do gene MYC ; um dos causadores das células tumorais, enquanto a outra ;desliga; o gene supressor de tumores PTEN. Crystal Conn, pesquisadora de pós-doutorado no laboratório de Ruggero, conta que os pesquisadores ficaram surpresos quando viram que cânceres extremamente agressivos, que tinham as mutações, exibiam taxas menores de síntese proteica comparados a tumores moderados com uma única variante. ;Não era o que esperávamos. Quanto mais fazíamos experimentos com linhagens humanas e nos ratos, mais víamos isso acontecer;, conta.


Alteração


Meses de tentativa de montar o quebra-cabeça finalmente terminaram com o encaixe da peça correta. Crystal Conn percebeu que, combinadas, as mutações MYC e PTEN desencadeavam um sistema de controle de qualidade celular chamado resposta de proteína desdobrada (UPR, sigla inglês), que, diante do estresse celular, reduz os níveis de síntese proteica. ;Essas mutações impactam a atividade de um gene chamado eIF2a, o transformando em uma forma alterada, P-eIF2a, que faz parar a produção de proteína;, explica.

Para verificar se os níveis do gene modificado nos tumores poderia predizer a agressividade da doença e, consequentemente, a resistência ao tratamento, os pesquisadores analisaram 422 tumores extraídos de pacientes de câncer de próstata. Eles usaram a técnica de microarranjo tecidual para medir os níveis das proteínas PTEN, MYC e P-eIF2a nas amostras e descobriram que essa última é um poderoso indicativo de metástases e óbitos. Em seguida, os cientistas testaram se bloquear a ação do gene mutante para que ele deixe de controlar a síntese proteica poderia matar o câncer agressivo.

Recentemente, um bioquímico da UCSF, Peter Walter, identificou uma molécula, a ISRIB, que pode restaurar a memória e estimular a cognição de ratos depois de sofrerem dano cerebral severo. Ela faz isso justamente revertendo a atividade do gene P-eIF2a. Sabendo disso, Crystal Conn testou a substância em roedores com câncer de próstata e nas linhagens humanas da doença. ;Descobrimos que os tumores com as mutações PTEN e MYC expostos à droga são levados à completa síntese proteica, o que faz com que as células se autodestruam. Ao mesmo tempo, a substância não provoca nenhum efeito nos tecidos normais;, conta. Em três semanas, o tumor começou a diminuir e, depois de seis, não voltou a crescer.

Janela terapêutica


Como parte dos testes, os cientistas implantaram amostras de câncer de próstata humano metastático em ratos e constataram que aqueles que receberam a ISRIB tiveram redução do tumor, enquanto que os sem tratamento morreram em pouco tempo. ;Estamos bastante empolgados, porque é urgente encontrarmos novas opções para pacientes com câncer resistente. A molécula ISRIB é uma bela janela terapêutica, porque não afetas células normais, ao mesmo tempo em que mata as cancerosas;, observa Conn.

Em um comentário publicado na Science Translational Medicine, Christopher Logothetis, do Departamento de Oncologia Médica Geniturinária do Centro de Cancer MD Anderson, em Houston, afirmou que o trabalho é ;provocador;. ;As descobertas contribuem para candidatos a biomarcadores preditivos (da agressividade do câncer) e para conceitos terapêuticos;, escreveu. O médico, que não participou do estudo, ressaltou, contudo, a necessidade de a abordagem ser aprofundada antes de se inciarem estudos em pacientes humanos.

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