Victor Correia*
postado em 29/05/2018 06:44
Cabelos brancos, se aparecem com a idade, são considerados um sinal de sabedoria. Mas, se despontam cedo demais, são creditados ao estresse. Existe verdade nessa crença popular: enquanto a genética é o principal fator associado ao surgimento de fios grisalhos, o sistema imunológico também pode embranquecer a cabeleira, em decorrência de doenças ou de estresse crônico.
Em estudo publicado na revista Plos Biology, pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) e da Universidade do Alabama descobriram uma conexão entre os genes responsáveis pela produção de melanina ; o pigmento que dá cor aos pelos e à pele ; e aqueles envolvidos na ativação do sistema imune. Os testes, feitos em camundongos, mostraram que, nos animais com predisposição genética para desenvolverem fios brancos, uma infecção viral simulada causou o surgimento de um número considerável deles.
Segundo os autores, isso acontece devido à destruição das células que produzem o pigmento, os melanócitos, e das células-tronco que as originam, os melanoblastos. O estudo sugere que, sob estresse crônico, as defesas do organismo vão atacando essas estruturas. Os resultados podem ajudar a entender o que desencadeia doenças como o vitiligo, nas quais o sistema imune tem um papel importante. Além disso, conhecer o mecanismo é um passo importante para descobrir formas de evitar os cabelos grisalhos prematuros e para reparar doenças degenerativas relacionadas às células-tronco em geral, alegam os autores.
A ligação encontrada entre as defesas do organismo e a pigmentação está em uma proteína chamada de MITF, sigla em inglês para fator de transcrição associado à melanogênese. ;Fatores de transcrição são proteínas que dizem para a célula quais genes ativar e quando ativá-los;, explica Melissa Harris, da Universidade do Alabama, principal autora do estudo.
Enquanto a função primordial do MITF é ;ligar; os genes responsáveis pela produção de enzimas relacionadas à pigmentação, os pesquisadores descobriram que ele também suprime a resposta imune de melanócitos e melanoblastos.
;Nós ficamos curiosos. Por que haveria uma razão para isso? Por que seria algo ruim ativar o nosso sistema imune? Ele deveria ser bom, não é?;, diz Harris. ;Bem, nós descobrimos que, ao ativar artificialmente a resposta imunológica em camundongos predispostos a terem pelos grisalhos, o número deles aumentou significativamente.;
[SAIBAMAIS]Os cabelos brancos surgem quando há a morte de melanócitos e melanoblastos. No momento em que o sistema imune é ativado, essas células liberam substâncias que pedem ajuda aos linfócitos T, que são responsáveis por destruir as estruturas infectadas por vírus ou bactérias. Esses soldados, porém, podem se confundir e atacar as células que pediram ajuda. Uma vez que os melanoblastos ; as células-tronco ; morrem, não há como a cor retornar. É justamente para evitar esse ataque que o MTIF reduz a resposta imune.
;Todo o trabalho foi feito em camundongos, por isso nós hesitamos em fazer muitas inferências para humanos antes de ter mais estudos;, afirma Harris. ;Porém, nós adoraríamos testar se esse mecanismo pode explicar as histórias de pessoas com cabelos grisalhos prematuramente. Será que uma combinação de predisposição genética e uma infecção viral seria o suficiente para causar isso?;, questiona.
Tratamentos
;São resultados muito interessantes, porque tem muita pesquisa sobre isso e também muitas reclamações no consultório sobre cabelos brancos;, afirma Bárbara Uzel, dermatologista do Hospital Anchieta e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia. ;Para que o melanócito seja danificado, a chave está no sistema imune, no gene que rege essa reação.; Segundo a médica, isso cria esperança para o desenvolvimento de tratamentos. ;Talvez essa seja a segunda maior queixa dos consultórios, logo atrás da queda de cabelo. A ideia é buscar a prevenção, e não tentar reverter o quadro depois que o cabelo fica branco.;
Porém, é preciso tomar muito cuidado com novos tratamentos, para garantir que eles não causem problemas maiores, alerta o dermatologista Caio Castro, da Sociedade Brasileira de Dermatologia. ;Tudo que mexemos no organismo, pode dar errado em outro lado. Já está descrito que algumas variações do gene que codifica o MTIF estão relacionadas ao melanoma, um dos tipos mais graves de câncer. Dependendo do medicamento criado, o ideal seria verificar se o paciente possui essas variações;
Em relação ao melanoma, segundo Harris, os resultados do estudo podem ajudar a entender como esse tipo de câncer consegue enganar a resposta imune do organismo. É possível que as células possam tirar vantagem do efeito imunossupressor do MTIF para se esconder da proteção natural, afirma a pesquisadora.
Além de continuar essa linha de pesquisa, os cientistas pretendem usar o surgimento de pelos grisalhos em camundongos para estudar também o envelhecimento de células-tronco. ;Estamos interessados no papel dessas células nas características relacionadas ao envelhecimento, nos mecanismos celulares e genéticos que levam ao envelhecimento delas, além dos fatores que levam à perda da sua manutenção. Nossas descobertas podem oferecer uma luz para abordagens que previnam a degeneração de células-tronco e melhorar a forma como nós envelhecemos.;
*Estagiário sob supervisão de Carmen Souza