Ciência e Saúde

Cientistas identificam gene responsável pelo aumento do cérebro na evolução

Descoberta poderá ajudar no avanço de pesquisas sobre transtornos como autismo e esquizofrenia

Paloma Oliveto
postado em 01/06/2018 06:00
Tomografia do crânio de um homem moderno (direita) e do Homo sapiens há 300 mil anos: mudanças deram vantagens cognitivas
Na receita de um ser humano, um dos principais ingredientes é o volume do cérebro. É consenso entre cientistas que o aumento gradativo do órgão ao longo de 3,2 milhões de anos de evolução possibilitou o desenvolvimento das características cognitivas únicas do Homo sapiens. Porém, saber exatamente o que, do ponto de vista fisiológico, impulsionou esse crescimento era um mistério. Até uma equipe de pesquisadores norte-americanos e europeus descobrir os genes responsáveis pelo fenômeno. Além de responder a uma intrigante questão biológica, o resultado do estudo, publicado na revista Cell Press, pode ajudar nas pesquisas sobre transtornos do neurodesenvolvimento, argumentam os autores.

Pierre Vanderhaeghen, pesquisador do Instituto Flandres de Biotecnologia, na Bélgica, explica que, como o ser humano compartilha 99% do genoma com os chimpanzés, descobrir quais genes específicos estão por trás dos aspectos únicos do cérebro do Homo sapiens foi um grande desafio. A equipe, então, se voltou a um dos principais mecanismos da evolução: a duplicação de genes, que ocorre quando uma proteína ancestral é duplicada e as cópias vão adquirindo novas funções. São os chamados genes parálogos.

;Os biólogos desenvolvimentais geralmente investigam alterações na regulação dos genes para explicar diferenças evolutivas. Eles não olham tanto para os genes em si, já que compartilhamos muito do nosso genoma com organismos simples, como minhocas. Porém, a duplicação leva ao surgimento de novos genes em uma espécie, o que pode contribuir para o rápido aparecimento de características específicas humanas, como o aumento do tamanho do córtex cerebral;, diz Vanderhaeghen. Centenas desses genes unicamente encontrados no Homo sapiens já foram identificados, mas, na maior parte dos casos, os cientistas não sabem qual o papel que eles desempenham. Alguns, inclusive, são considerados redundantes ou não funcionais.

Usando uma técnica de sequenciamento desenvolvida especificamente para esse estudo, a equipe se dedicou a identificar e distinguir genes ancestrais, presentes em todas as espécies, e seus parálogos, específicos do genoma humano. Vanderhaeghen conta que o trabalho teve início há seis anos, quando o pesquisador Frank Jacobs, então na Universidade de Amsterdã, estudava células-tronco embrionárias humanas para diferenciá-las em neurônios. Para descobrir como isso ocorria, ele precisava identificar os genes expressados no processo.

À medida que, no disco Petri, as células tornavam-se neurônios do córtex cerebral, Jacobs notou que elas se reorganizavam em camadas, como se fossem uma versão miniaturizada dessa região do cérebro. O pesquisador passou a comparar a evolução dessas miniaturas (chamadas organoides corticais) criadas a partir de células humanas com aquelas provenientes de macacos rhesus. Foi, então, que ele notou que uma família de genes, a NOTCH2NL, expressava-se nos organoides humanos, mas não no do primata. Ou seja: Jacobs encontrou genes exclusivos do Homo sapiens diretamente associados ao crescimento cerebral.

Esse grupo já é conhecido por desempenhar um papel importante no desenvolvimento dos órgãos ; incluindo o cérebro. Pesquisando mais a fundo, os cientistas descobriram que os genes NOTCH2NL destacam-se justamente pela habilidade de expandir as células-tronco do córtex. O resultado disso é o desenvolvimento de mais neurônios.

;Essa é uma família de genes que têm origem em centenas de milhares de anos da nossa história evolutiva e com um papel fundamental no desenvolvimento do embrião. Descobrir que humanos têm um novo membro dessa família envolvido também no desenvolvimento do cérebro é algo extremamente empolgante;, conta David Haussler, pesquisador da Universidade da Califórnia em Santa Cruz (UCSC) e autor sênior do estudo. O biólogo explica que a localização desses genes, no braço mais longo do cromossomo 1, tem envolvimento com defeitos genéticos nos quais segmentos de DNA são tanto duplicados quanto apagados acidentalmente, o que leva a distúrbios neurológicos graves.

Edição de genoma

Enquanto as remoções geralmente se associam à microcefalia e autismo, a duplicação tem relação com macrocefalia e esquizofrenia. ;Os genes da família NOTCH2NL nos beneficiaram, pois nos permitiram ter um cérebro grande. Porém, ao mesmo tempo, os eventos implicados na recombinação deles também nos trouxeram coisas ruins;, observa Sofie Salama, pesquisadora da UCSC que também assina o artigo. ;Mas o que descobrimos quando desenvolvemos a tecnologia para sequenciá-los é que há diversos alelos desse gene. É possível que essa variação crie a sutileza e a plasticidade que são importantes para fazer os humanos serem humanos.;

Com as informações obtidas pelas equipes de Haussler e Vanderhaeghen, a expectativa dos cientistas é de que a descoberta desses genes ajude nas pesquisas sobre doenças do neurodesenvolvimento. Eles especulam que, no futuro, com o aperfeiçoamento de ferramentas de edição do genoma, como o Crispr/Cas9 ; utilizado, inclusive, no estudo para a identificação da família NOTCH2NL ;, seja possível deletar cópias extras ou acrescentar proteínas faltantes em sequências do DNA humano.

;Os genes da família NOTCH2NL nos beneficiaram, pois nos permitiram ter um cérebro grande. Porém, ao mesmo tempo, os eventos implicados na recombinação deles também nos trouxeram coisas ruins;
Sofie Salama, pesquisadora da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e uma das autoras do artigo

Segundo a pesquisadora Li-Huei Tsai, a edição genética poderá reduzir a vulnerabilidade à doença neurodegenerativa

Como mutação eleva risco de Alzheimer

Pessoas com uma variante genética chamada APOE4 têm risco aumentado de desenvolver Alzheimer na velhice. Essa versão do gene é três vezes mais comum entre pacientes da doença, comparados à população em geral. Porém, pouco se sabe como a mutação, geralmente envolvida no metabolismo e no transporte de moléculas de gordura, como colesterol, confere uma chance aumentada de se ter a enfermidade neurodegenerativa.

Em busca de uma resposta, neurocientistas do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) realizaram um estudo complexo do APOE4 e da forma mais comum do gene, a APOE3. Estudando células cerebrais derivadas de um tipo de célula-tronco humana induzida, eles descobriram que a variante promove a acumulação de proteínas beta-amiloide que causam as placas características dos cérebros de pacientes de Alzheimer.

O gene APOE, também chamado apolipoproteína E, existe em três versões, conhecidas como 2, 3 e 4. Ele se liga ao colesterol e aos lipídeos no ambiente celular, permitindo ser absorvido pela gordura. No cérebro, células conhecidas como astrócitos produzem lipídeos, que são secretados e transformados em neurônios com a ajuda do APOE. Na população em geral, cerca de 8% das pessoas têm a variante 2; 78% carregam a 3, e 4% possuem a 4. Contudo, entre os indivíduos com Alzheimer tardio e não familiar, responsável por 95% dos casos, esse perfil é bem diferente: somente 4% têm a APOE2; 60%, a 3; e 37%, a 4.

;O APOE4 é, de longe, o gene mais significativo no risco de Alzheimer tardio;, afirma Li-Huei Tsai, diretora do Instituto Picower de Aprendizagem e Memória do MIT e principal autora do estudo. ;Contudo, apesar disso, realmente não há muita pesquisa sobre ele. Ainda não temos uma boa ideia sobre o motivo pelo qual ele aumenta esse risco;, destaca. No estudo, os pesquisadores utilizaram células-tronco pluripotentes, aquelas derivadas da célula ou de outro tecido e que podem ser induzidas para se transformar em qualquer tipo. Os cientistas conseguiram estimulá-las para se diferenciar em três células cerebrais: neurônios, astrócitos e micróglia.

Expressões distintas

Usando a técnica de edição do genoma CRISPR/Cas9, a equipe do MIT converteu o APOE3 em APOE4. Nos neurônios desenvolvidos no disco Petri, as células associadas às duas proteínas exibiram diferenças marcantes em relação à expressão de genes. As discrepâncias genéticas traduziram-se em alterações no comportamento celular. Neurônios com APOE4 formavam mais sinapses e secretavam níveis mais altos de proteína amiloide. Já nos astrócitos, o metabolismo do colesterol estava altamente desregulado. Essas células produziam duas vezes mais gordura que aquelas com o gene APOE3 e sua habilidade de remover proteínas amiloides de perto delas se mostrou dramaticamente danificada.

A micróglia foi afetada de maneira similar. Essas células, cuja função normal é ajudar a remover material estranho ao cérebro, incluindo proteínas amiloides e patógenos como bactérias, ficaram muito mais lentas na execução dessa tarefa, quando expressavam o gene APOE4. Porém, boa parte desses efeitos foi revertida quando os cientistas usaram a CRISPR/Cas9 para transformar essa variante na APOE3.

De acordo com a equipe do MIT, a descoberta sugere que, se a tecnologia de edição genética de fato funcionar em humanos ; algo que as empresas de biotecnologia estão tentando conseguir ;, será possível oferecer um tratamento para pacientes de Alzheimer que carregam a versão APOE4. Sinais da doença nas células cerebrais com APOE4 poderiam ser eliminados editando o gene para ele se transformar na variante APOE3. O estudo foi publicado na revista Neuron.

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