Ciência e Saúde

Estudo mostra a forma como o uirapuru age como 'sentinela da Amazônia'

O uirapuru-de-garganta-preta alerta outros pássaros sobre a proximidade de predadores e eles fogem juntos da ameaça. Estratégia descoberta por pesquisadores americanos pode explicar a existência de revoadas tão coloridas na região

Sara Sane*
postado em 02/06/2018 15:05
Mais de 60 espécies confiam no alarme do uirapuru-de-garganta-preta: aves ficam na camada intermediária da floresta
Família não é só de sangue, e isso parece também valer para pássaros. É comum espécies iguais voarem juntas, mas pesquisadores da Universidade Estadual de São Francisco, nos Estados Unidos, descobriram que, na Amazônia, alguns rebanhos contêm variadas espécies de aves, com diferentes cores e formas. A fraternidade dos diversos se dá como mecanismo de proteção. Um deles trabalha como vigia, cantando um alarme quando há a aproximação de predadores. Dessa forma, os vizinhos escapam juntos do perigo.

O pássaro-chave é o uirapuru-de-garganta-preta (Thamnomanes ardesiacus), que tem em média 14cm de comprimento e pesa cerca de 18g. Para começar o estudo, os pesquisadores coletaram dados sobre o número de espécies em oito rebanhos mistos no sudeste do Peru e colocaram pulseiras coloridas nas aves. ;Isso nos ajudou a identificar os membros do bando individualmente no caso de eles se mudarem para grupos vizinhos ou outras partes da floresta;, explica Eliseo Parra, coautor do artigo, divulgado, neste mês, na revista Ecology.

Em seguida, a equipe capturou as aves vigilantes dos oito rebanhos e as deixou em um aviário durante três dias. Poucas horas depois da captura, os outros pássaros começaram a reagir. ;Os bandos de espécies mistas alteraram o local onde se alimentavam durante o dia e usaram diferentes partes da floresta após a remoção;, conta Eliseo Parra. Três bandos recuaram para áreas da floresta com cobertura mais densa, e os outros cinco se juntaram a outros rebanhos em áreas que ofereciam mais proteção contra predadores, como falcões.

[SAIBAMAIS]Eduardo Santos, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), explica que o uirapuru-de-garganta-preta é considerado uma espécie sentinela por produzir vocalizações de alarme quando percebe a presença de aves de rapina predadoras. Os bandos ocupam uma camada intermediária na floresta tropical, não tão perto do solo nem da cobertura das árvores. ;Muita literatura sugere que essa área é muito arriscada. Há mais oportunidades para o predador se esconder e ainda ter uma rápida rota de voo;, diz.

Revoada de pássaros mudou de configuração
Outra constatação do estudo americano é de que, com a remoção da ave sentinela, a revoada de pássaros mudou de configuração. Animais trocaram de hábitat ou de bando. Dessa forma, mesmo não tendo muito impacto no ambiente físico, o uirapuru-de-garganta-preta tem influência sobre comportamento de muitas outros pássaros. ;Às vezes, até mais de 60 espécies o seguem e respondem aos seus alarmes;, complementa Eliseo Parra. ;Nosso estudo ajuda a entender como complexas relações comportamentais e ecológicas entre as espécies podem impulsionar as comunidades de animais da floresta tropical.;

Segundo Eduardo Santos, o principal benefício para as espécies seguidoras do uirapuru-de-garganta-preta é o aumento na taxa de forrageamento. ;Ou seja, esses indivíduos se beneficiam por poder gastar menos tempo levantando a cabeça para ver se não há nenhum predador por perto e podem passar mais tempo com a cabeça no meio do folhiço ou das folhas procurando alimentos;, explica.

* Estagiária sob supervisão da subeditora Carmen Souza

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