Ciência e Saúde

Inflamação no cérebro causada por estresse é gatilho para a depressão

Pesquisadores têm ajudado a construir uma visão mais sistêmica do transtorno, considerando, por exemplo, que ele pode ser desencadeado por fatores diversos. Série do Correio traz avanços e apostas na área

Vilhena Soares
postado em 17/06/2018 07:00
Ilustração sobre depressão

Nas páginas de O mercador de Veneza, Antonio descreve seu estado de espírito de forma melancólica: ;Não sei por que estou triste. Ela me cansa, como cansa você. Do que é feita ou do que terá nascido, eu vou aprender;. Formulada há mais de quatro séculos, a indagação de um dos personagens criados por William Shakespeare ainda descreve de forma eficaz os mistérios que circundam a depressão.

O número de casos da doença tem aumentado mundialmente, desencadeando problemas mais graves, como o suicídio, o que torna urgente a compreensão de sua origem. Mas, aos poucos, cientistas começam a desvendar esse enigma. Uma das constatações revela que há um trabalho longo a ser percorrido é a de que a depressão não ocorre por desequilíbrios neurais específicos, mas por uma série de mecanismos que envolve diferentes partes do organismo humano.

Geralmente, o estresse é o primeiro ponto a ser lembrado nas discussões, mas isso não é suficiente para explicar o transtorno. "Ele é um grande risco para a depressão, sabemos disso sem sombra de dúvidas. Mas como o estresse causa depressão? Tudo indica que isso ocorre por meio da inflamação", explicou ao Correio Edward Bullmore, autor do livro The inflamed mind: A radical new approach to depression (Em tradução livre, A mente inflamada: Uma nova abordagem radical sobre a depressão) e professor de psiquiatria na Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Desde 1989, Bullmore pesquisa sobre a relação da inflamação com o transtorno psiquiátrico. Em seus trabalhos, analisou dados de pacientes com depressão e percebeu níveis altos de inflamação no cérebro. "O estresse causa uma resposta inflamatória no corpo de animais e em humanos, como se o sistema imunológico estivesse preparando o corpo para responder a uma ameaça à sua sobrevivência;, detalhou.

O pesquisador acredita que uma explicação viável para que a melancolia acometa pessoas durante inflamações é o desencorajamento de indivíduos doentes a socializar e disseminar uma infecção, mesmo que nem todas as enfermidades relacionadas sejam contagiosas.

Segundo Bullmore, outros cientistas também têm conduzido estudos relacionando inflamação e depressão e mostrando a facilidade com que proteínas conseguem entrar no cérebro, uma vulnerabilidade não considerada há pouco tempo. Para o pesquisador, esse mecanismo precisa ser mais compreendido, pois pode fornecer dados valiosos para a compreensão da doença. ;Precisamos aprender com a história da montanha-russa da pesquisa cerebral e manter a empolgação sob controle. Porém, acredito que, ainda assim, a inflamação poderia fornecer um elo perdido entre estresse e depressão;, ponderou.

DNA

A genética é outra frente investigada como um dos principais fatores desencadeadores da depressão. Segundo especialistas, entender a relação do DNA com a doença também pode ajudar a compreender a maior frequência de casos do distúrbio psiquiátrico em uma mesma família. O estudo mais recente e um dos maiores sobre o tema foi publicado em abril, na revista Nature Genetics, e analisou o DNA de 135.458 casos de depressão e 344.901 casos de pessoas sem a doença.

O levantamento mostrou que, entre os 20 mil genes que compõem o genoma humano, 44 contribuem para o risco de depressão de uma geração para outra. ;Nós mostramos que todos nós carregamos variantes genéticas para a depressão, mas aqueles com uma carga maior são mais suscetíveis;, explicou Naomi Wray, uma das autoras do estudo e pesquisadora da Universidade de Queensland, na Austrália. ;Sabemos que muitas experiências de vida também contribuem para o risco de depressão, mas identificar os fatores genéticos abre novas portas para a pesquisa dos fatores biológicos;, completou.

Os investigadores acreditam que mais questões surgem com a descoberta, já que cada um dos genes pode ter um papel distinto relacionado à doença, mas, ainda assim, o estudo aumenta as chances de tratamentos mais direcionados no futuro. ;Apesar de décadas de esforço, houve, até agora, apenas escassos dados sobre os mecanismos biológicos da depressão. Muitas pessoas sofrem com ela e têm opções limitadas. Esse estudo representa um grande passo para elucidar os fundamentos biológicos da doença;, explicou Steven Hyman, diretor do Centro Stanley de Pesquisa Psiquiátrica da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e autor do estudo.

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