A esquizofrenia e o transtorno bipolar são exemplos de enfermidades psiquiátricas com forte influência hereditária. Para entender melhor as razões da maior incidência entre pessoas da mesma família, um grupo de cientistas americanos decidiu analisar as semelhanças e as diferenças genéticas entre esses distúrbios. Eles examinaram padrões genéticos de 25 doenças psiquiátricas e neurológicas. As descobertas foram apresentadas na última edição da revista científica Science e mostram que os problemas psiquiátricos compartilham muitas variantes, enquanto os neurológicos (como Parkinson e Alzheimer) parecem mais distintos entre si geneticamente.
Os pesquisadores explicam que, como cada variante genética contribui apenas com uma pequena porcentagem do risco de desenvolver um determinado problema de saúde, as análises exigem um grande número de amostras para se chegar a dados confiáveis. Por isso, eles mediram a quantidade de sobreposição genética entre os distúrbios usando estudos de associação genômica ampla de 265.218 pacientes e 784.643 indivíduos saudáveis (grupo controle).
Também examinaram as relações entre distúrbios cerebrais e 17 medidas físicas ou cognitivas, como anos de instrução, de 1.191.588 indivíduos (saudáveis e com distúrbios). ;Esse foi um esforço sem precedentes no compartilhamento de dados de centenas de pesquisadores em todo o mundo para melhorar nossa compreensão do cérebro;, ressalta, em comunicado, Verneri Anttila, um dos autores do estudo e pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT).
Os resultados indicaram uma ampla sobreposição genética entre diferentes tipos de complicações psiquiátricas, principalmente entre transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno bipolar, transtorno depressivo maior e esquizofrenia. Também indicaram forte sobreposição entre anorexia nervosa e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e entre TOC e síndrome de Tourette.
Em relação aos distúrbios neurológicos, como Parkinson e esclerose múltipla, os cientistas observaram que essas enfermidades são mais distintas umas das outras e dos distúrbios psiquiátricos ; exceto a enxaqueca, que foi geneticamente correlacionada ao TDAH e à depressão maior. Segundo os pesquisadores, as categorias clínicas atuais não refletem, com precisão, o alto grau de correlação genética entre os transtornos psiquiátricos. Por isso, a importância dos dados obtidos.
;Esse trabalho está começando a remodelar a forma como pensamos sobre distúrbios do cérebro. Se pudermos descobrir as influências genéticas e os padrões de sobreposição entre eles, poderemos compreender melhor as causas profundas dessas condições e, potencialmente, identificar mecanismos específicos apropriados para tratamentos personalizados;, detalha Ben Neale, principal autor do estudo, pesquisador do MIT e da Universidade de Harvard.
Pat Levitt, diretor do Instituto de Pesquisa Saban do Hospital Infantil de Los Angeles e também autor do estudo, chama a atenção para a aplicação prática dos resultados. ;Refinar a classificação dos transtornos psiquiátricos, que afetam um em cada seis adultos, utilizando as dimensões relacionadas às suas bases genéticas será algo importante para melhorar os tratamentos.;
Na clínica
Michele Migliavacca, geneticista do Laboratório Exame, em Brasília, explica que os estudos de associação têm como objetivo avaliar variantes comuns de uma população e tentar correlacioná-las com dados de herdabilidade para identificar riscos genéticos. No caso do trabalho americano, os resultados coincidem com observações práticas. ;A associação entre os fenótipos clínicos comprova o que observamos na prática clínica, com o mesmo paciente podendo ter mais de um diagnóstico, como anorexia e depressão;, ilustra.
Para a geneticista, a pesquisa precisa englobar dados relativos a genes menos comuns para ter resultados mais concisos. ;É importante ressaltar que essa metodologia tem uma associação muito fraca quando comparada ao estudo do genoma humano por sequenciamento com análise de variantes raras, sendo que o próprio autor da pesquisa justifica os baixos valores de herdabilidade por essa questão;, destaca. ;Idealmente, o sequenciamento do genoma com foco em variantes raras poderia responder às perguntas sobre herdabilidade.;
;Refinar a classificação dos transtornos psiquiátricos, que afetam um em cada seis adultos, utilizando as dimensões relacionadas às suas bases genéticas será algo importante para melhorar os tratamentos;
Pat Levitt, diretor do Instituto de Pesquisa Saban do Hospital Infantil de Los Angeles e um dos autores do estudo
Influência dos anos de estudo
Também chamou a atenção dos pesquisadores o fato de as questões genéticas que predispõem transtornos psiquiátricos ; anorexia, autismo, bipolar e transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo ; serem significativamente relacionadas a fatores associados a maiores medidas cognitivas na infância, incluindo tempo maior de estudo. O que não aconteceu com distúrbios neurológicos ; particularmente o Alzheimer e o acidente vascular cerebral.
;Ficamos surpresos que fatores genéticos de algumas doenças neurológicas normalmente associadas aos idosos estivessem negativamente ligados a essas primeiras medidas cognitivas. Vamos precisar de mais trabalho e amostras ainda maiores para entender essas conexões;, diz Verneri Anttila, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
A equipe ressalta que mais pesquisas ajudarão a entender os mecanismos relacionados às doenças psiquiátricas e neurológicas. ;Precisamos de estudos que determinem os fatores que influenciam a maneira pela qual o risco genético compartilhado em diferentes transtornos psiquiátricos pode levar à ruptura de diferentes funções cerebrais;, diz Pat Levitt, do Instituto de Pesquisa Saban do Hospital Infantil de Los Angeles.