Victor Correia*
postado em 17/07/2018 06:00
Tanto o diabetes quanto os transtornos mentais exercem grande impacto sobre a vida dos pacientes: os tratamentos requerem mudança de hábitos e o uso de medicamentos controlados. A ligação entre as complicações, porém, não acaba aí. De acordo com estudo da Universidade da Califórnia, São Francisco, nos Estados Unidos, pessoas com distúrbios mentais severos ; como esquizofrenia e transtorno bipolar ; apresentam risco duas vezes maior de desenvolver a doença metabólica.
Segundo o estudo publicado na revista Diabetes Care, 28,1% desses pacientes têm diabetes tipo 2, quando a insulina produzida pelo corpo não é suficiente para processar a glicose consumida. Na população em geral, a taxa de incidência da doença metabólica é de 12,2%. O estudo constatou ainda a prevalência de pré-diabetes em quase metade das pessoas com transtornos mentais, contra apenas um terço da amostra geral. Para os autores, as descobertas indicam que é preciso incorporar testes regulares de glicemia ao tratamento de pacientes com distúrbios mentais, além de aumentar o cuidado com a saúde física deles.
;As causas para o risco aumentado incluem efeitos colaterais das medicações, mas também consequências do próprio distúrbio;, afirma Christina Mangurian, principal autora do artigo. ;A maioria das pessoas com transtornos mentais severos perde componentes sociais ; como emprego e moradia ;, e isso também tem um impacto na saúde. Elas são também mais propensas a fumar;, complementa.
Participaram da análise mais de 15 mil pessoas, moradoras da Califórnia e submetidas a tratamento com antipsicóticos. Os pesquisadores analisaram todos os casos diagnosticados de diabetes tipo 2 e pré-diabetes do grupo e compararam os resultados com os dados gerais da população dos Estados Unidos.
Os antipsicóticos são usados para tratar sintomas de perda de contato com a realidade causados por alguns transtornos mentais. Um exemplo clássico é a esquizofrenia, que gera delírios e alucinações. Entre os efeitos colaterais dessas drogas, porém, estão ganho de peso, impactos na taxa de colesterol e resistência à insulina ; os principais fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes.
Essas pessoas ainda enfrentam condições instáveis de vida e baixa renda, o que dificulta o comprometimento com o estilo de vida saudável necessário para prevenir a doença. Segundo especialistas, um grande sinal de alerta é o aparecimento do pré-diabetes, caracterizada por um nível alto de glicose no sangue. Se percebida com antecedência, é possível controlar e evitar que a condição evolua.
Prevenção
Porém, poucos desses indivíduos são monitorados quanto à maior vulnerabilidade à doença metabólica. Dois estudos anteriores também publicados por Mangurian ; em 2015 e 2017 ; mostram que apenas 30% dos que utilizam o sistema público americano de saúde, o Medicaid, e 55% daqueles que têm um plano particular são examinados com esse intuito. ;Se não estamos fazendo exames, estamos perdendo oportunidades de tratar e prevenir a doença;, diz a pesquisadora. ;No nosso trabalho atual, vimos que 43% dessas pessoas têm pré-diabetes, e começa cedo, aos 20 anos. Se fizéssemos um trabalho melhor com os testes, poderíamos detectar e prevenir o diabetes.;
Airton Golbert, médico membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), também ressalta a importância da realização de exames regulares. Segundo o especialista, as complicações de longo prazo podem, muitas vezes, ser evitadas se detectadas a tempo. ;São necessários mudança de estilo de vida, dieta saudável, foco na perda de peso e exercícios físicos. Para algumas pessoas, já se recomenda medicações usadas para o diabetes pelo fato de elas não conseguirem adotar esses hábitos. É muito difícil para pacientes com distúrbios mentais segui-los.;
Complicadores
Segundo Fábio Aurélio Leite, psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte e professor da Universidade de Brasília (UnB), há outro complicador. Geralmente, os pacientes com distúrbios psiquiátricos graves têm a expectativa de vida menor, obesidade e doenças cardiovasculares. ;A gente usa com muito cuidado os medicamentos que aumentam o peso e causam resistência à insulina. Mas o diabetes altera o funcionamento do cérebro também, é uma doença degenerativa.;
Para o médico, a pesquisa corrobora algo que é visto na prática, e as ações para minimizar o problema devem ser tomadas em várias esferas. ;A grande questão é a participação da família dos pacientes, que tem um envolvimento muito grande. Além disso, os psiquiatras têm que se preocupar em usar medicamentos com menos impactos, o Estado deve dar acesso a esses medicamentos melhores e entender que investir em tratamento psiquiátrico é diminuir o gasto em outras áreas, evitar outros problemas. Para a sociedade, é importante entender que os transtornos mentais são como qualquer outra doença e diminuir esse preconceito.;
* Estagiário sob supervisão da subeditora Carmen Souza