Ciência e Saúde

Dois imunologistas recebem o Nobel de medicina por avanços contra o câncer

Dupla de imunologistas é laureada por impulsionar o uso da imunoterapia para tratar tumores. Eles descobriram como bloquear um mecanismo que paralisa as células de defesa do corpo, dando origem a medicamentos anticancerígenos avançados

Vilhena Soares
postado em 02/10/2018 06:00 / atualizado em 08/10/2020 14:36

 
Dois imunologistas foram agraciados com a maior honraria da área científica. O americano James P. Allison e o japonês Tasuku Honjo receberam o Nobel de Medicina pelo trabalho dedicado à imunoterapia para o combate ao câncer. A dupla desenvolveu mecanismos capazes de acordar o sistema de defesa do corpo — adormecido pela ação de células cancerígenas — para que volte a reagir à presença da doença. Os trabalhos independentes deram origem a uma classe de medicamentos, os checkpoint imunológicos, que são considerados a opção mais avançada no tratamento de cancros agressivos. Ao anunciar o prêmio, a assembleia do Instituto Karolinska, em Estocolmo, destacou que os cientistas “revolucionaram a área”, oferecendo aos pacientes nova esperança.

James P. Allison, 70 anos, é professor de imunologia no Centro do Câncer da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, e Tasuku Honjo, 76 anos, leciona na Universidade de Kyoto, no Japão. Em 2014, a dupla recebeu o prêmio Tang, definido como a versão asiática do Nobel, pelo mesmo trabalho. No ano seguinte, o americano ganhou o prêmio Lasker na categoria de pesquisa clínica. “Estou honrado em receber esse prestigioso reconhecimento”, declarou James P. Allison, em seu site, em referência ao Nobel de Medicina.

O pesquisador deu início ao trabalho premiado sem a intenção de desenvolver novas formas de tratar carcinomas. “Os cientistas ambicionam simplesmente forçar as fronteiras do conhecimento, e minha intenção não era estudar o câncer, mas entender a biologia das células-T, essas células incríveis que correm pelo nosso corpo para protegê-lo”, contou Allison, em entrevista à Agência France-Presse (AFP) de notícias.

As duas pesquisas foram conduzidas durante a década de 1990. De forma independente, os cientistas descobriram como acabar com as estratégias usadas pelas células cancerosas para conter as defesas do organismo. Allison estudou a proteína CTLA-4. Honjo, a proteína PD-1. Ambos perceberam que, ao bloquear essas moléculas, era possível retirar o “freio” emitido pelas células do câncer às células-T. Dessa forma, as células imunes voltavam a atacar o tumor. Com um currículo que serve de inspiração para outros cientistas, Honjo diz que não planeja parar. “Quero continuar com a pesquisa para que a imunoterapia possa salvar mais pacientes com câncer do que nunca”, disse.
 
 

“Soltaram os freios”

Durante o anúncio dos vencedores, o júri do Nobel destacou que os dois cientistas “soltaram os freios” e “souberam apertar os bons pedais de aceleração” do sistema imunológico. “Nós podemos curar o câncer com isso”, declarou Klas Kärre, membro do comitê do Nobel. Antes do trabalho iniciado pela dupla, havia três tratamentos para os tumores: radioterapia, quimioterapia e cirurgia. A pesquisa deles deu o pontapé inicial para o uso da imunoterapia, indicada hoje para tratar principalmente cânceres de pulmão, rins, linfomas e melanomas.

O primeiro medicamento criado com base nas descobertas de Allison foi desenvolvido em 2011, nos Estados Unidos, para tratar o melanoma, forma mais grave do câncer de pele. A doença tem taxa de mortalidade de 50% um ano após o diagnóstico. Hoje,  pacientes tratados com imunoterapia apresentam remissões de mais de 10 anos.

A combinação da imunoterapia com as abordagens mais antigas também tem sido explorada no tratamento dos tumores, mostrando resultados ainda mais positivos. “Essa é uma boa notícia para todos, especialmente para os doentes (...) É uma revolução equivalente à chegada dos antibióticos”, comenta Eric Vivier, professor de imunologia e médico do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), na França. Allison, porém, ressaltou que espera que o medicamento, hoje considerado de alto custo, se torne mais barato, o que beneficiaria um número maior de pacientes.
 

Primeira linha

Romualdo Barroso de Sousa, médico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em Brasília, acredita que a escolha feita pelo Instituto Karolinska é um reconhecimento para todos os pesquisadores que se esforçam para oferecer melhores abordagens contra o câncer. “Esses dois cientistas foram responsáveis por descobertas que culminaram no desenvolvimento da imunoterapia moderna do câncer. Suas descobertas levaram ao desenvolvimento de uma classe de drogas que revolucionou o tratamento oncológico. Dessa forma, esse prêmio é um reconhecimento para todos os indivíduos que dedicaram a carreira à pesquisa de como o sistema imune pode combater o câncer”, ressaltou.

Segundo o médico, nos Estados Unidos, existem sete drogas da classe checkpoint imunológico aprovadas para uso clínico no tratamento de câncer avançado. “Hoje, a imunoterapia é a primeira linha para os casos de melanoma, pulmão e câncer de rim. Além disso, outros tipos de tumores, como de cabeça e pescoço, fígado, estômago e bexiga, entre outros, podem ser tratados com essas drogas.”

Apesar dos avanços, Romualdo Barroso de Sousa acredita que mais pesquisas são necessárias pelo fato de parte significativa dos pacientes não apresentar melhora clínica. “Pesquisas estão em andamento para tentar entender os mecanismos de resistência e descobrir como combinar essas drogas com outros agentes e, assim,  aumentar o número de pacientes beneficiados.”

 

 

Pivô de escândalo é condenado

Centro do escândalo que, desde novembro, atinge a Academia Sueca, o francês Jean-Claude Arnault foi condenado a dois anos prisão. Arnault, 72 anos, é acusado de estuprar uma jovem em outubro e dezembro de 2011, Casado com uma integrante da academia, ele se vangloriava de ser o “19º membro” da instituição e, segundo testemunhas, anunciava o nome dos futuros laureados a amigos.  O caso foi revelado na campanha #MeToo, dando início a outras denúncias. A Academia Sueca ainda não conseguiu encontrar uma forma de administrar a crise e adiou por um ano do anúncio do próximo Nobel de Literatura.

Palavra de especialista

 

Prognóstico promissor
“Considero a imunoterapia o campo mais promissor na tentativa de curar o câncer. São com trabalhos como esses que nós, médicos, passamos a entender como a célula tumoral, na gênese do câncer, consegue sobreviver à ação do sistema imunológico. Graças a essas pesquisas, temos vários medicamentos que mostram resultados nunca antes vistos. O futuro torna-se cada vez mais promissor. Nos últimos anos, temos visto centenas de estudos com novos imunoterápicos, associações nunca feitas, como a imunoterapia e a quimioterapia, e também o uso de mais de um imunoterápico na tentativa de fazer com que os resultados se tornem cada vez melhores, possamos ter uma sobrevida maior e atingir um número maior de tipos de tumores”

Lucianno Santos, 
diretor da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC)

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