Ciência e Saúde

Percepção de cores pelo olho está relacionada a hormônios da tireoide

Descoberta pode ajudar no desenvolvimento de tratamentos médicos para problemas como o daltonismo e a degeneração macular

Vilhena Soares
postado em 12/10/2018 06:00
Infográfico sobre a relação entre a percepção das cores pelo olho e os hormônios da tireoide
A forma de enxergar o mundo é diferente para cada animal. Grande parte dos insetos, répteis e aves possui um pigmento ultravioleta nos olhos, que permite a eles vislumbrar coisas invisíveis aos homens. Já gatos e cachorros são daltônicos, pois foram adaptados para a vida noturna, que não exige tantas tonalidades. Nos seres humanos e em parte dos primatas, existem três pigmentos oculares ; verde, azul e vermelho ; que permitem a visão de todas os tons do arco-íris. Pesquisadores americanos resolveram investigar como as células responsáveis pela identificação dessas três cores se desenvolvem, uma questão ainda misteriosa para a ciência. Com esse objetivo, eles usaram células-tronco para criar retinas. Nas análises, os cientistas constataram que o desenvolvimento da visão colorida do homem está relacionado a hormônios da tireoide, descoberta que ajuda a entender melhor doenças oculares, como o daltonismo e que, no futuro, também pode ajudar no desenvolvimento de tratamentos oftalmológicos.

;Essa é uma questão realmente bonita, tanto visualmente quanto intelectualmente ; o que é que nos permite ver a cor?;, destacou, em um comunicado, Kiara Eldred, estudante de pós-graduação da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo publicado na revista Science. Para desvendar esse mistério, eles cultivaram retinas in vitro, concentrando-se nas células que permitem que as pessoas vejam o azul, o vermelho e o verde ; os fotorreceptores do olho, também chamados de cones. Durante os meses de análise, período em que o material crescia e se transformava em retinas completas, a equipe observou que as células de detecção de azul se materializavam primeiro e, posteriormente, as de vermelho e verde.

Kiara Eldred e sua equipe também descobriram, em análises mais apuradas, realizadas com os fotorreceptores vermelho e verde, que a chave para o desenvolvimento desses cones era o fluxo e refluxo de hormônios da tireoide. ;É importante ressaltar que os níveis desses hormônios não são controlados pela glândula tireoide, que obviamente não estavam nas células analisadas. Acreditamos que essa tarefa ocorra no próprio olho;, esclareceu a pós-graduanda. Os pesquisadores explicaram que, ao entender como a quantidade de hormônios da tireoide dita se as células se tornariam azuis ou vermelhas e verdes, a equipe foi capaz de manipular o resultado, criando retinas que, se fossem parte de um olho humano completo, só enxergariam azul, ou apenas o verde e vermelho.

Os pesquisadores também assinalaram que a descoberta de que o hormônio tireoidiano é essencial para a criação de cones vermelho e verdes ajuda a justificar o fato de bebês prematuros, que sofrem redução nos níveis dos hormônios tireoidianos por não terem o suprimento materno, apresentarem uma incidência maior de distúrbios da visão.

Ramon Carlos Martins Barreto Neto, especialista em retina, oftalmologista do Visão Hospital de Olhos em Brasília, destacou que o uso de células-tronco em pesquisas está em alta, mas considerou que uma das maiores dificuldades dos cientistas é descobrir os segredos de sua diferenciação, ou seja, o que faz com que algumas se tornem neurônios ou mitocôndrias, por exemplo. ;O importante é saber como elas chegam a essa finalização. Esses pesquisadores conseguiram fazer isso e também entender a sua formação, mostrando a relação dos hormônios da tireoide no desenvolvimento desses fotorreceptores;, assinalou o especialista, que não participou do estudo. O médico observou que os dados se relacionam ao daltonismo, problema de visão no qual as pessoas não conseguem distinguir entre tons de verde e vermelho. ;A maioria dos casos de daltonismo está ligado a problemas nesses fotorreceptores, porém temos também casos raros, em que os danos ocorrem no fotorreceptor azul;, detalhou.

Tratamentos

Os autores da pesquisa adiantaram que o estudo é apenas o começo de uma investigação mais apurada. Os cientistas pretendem utilizar o método para entender ainda melhor o sistema de visão das cores e os mecanismos envolvidos na criação de outras regiões da retina como a mácula. Os pesquisadores lembraram que a degeneração macular é uma das principais causas de cegueira em humanos, por isso, entender como cultivar uma nova mácula é relevante para o desenvolvimento de tratamentos clínicos. ;A visão de cores tricromáticas nos diferencia da maioria dos outros mamíferos. Se pudermos responder o que leva uma célula ao seu destino final, estamos mais perto de poder restaurar a visão das pessoas com danos em seus fotorreceptores;, ressaltou Eldred.

Da mesma forma, Ramon Neto disse acreditar que as descobertas do estudo norte-americano podem contribuir para pesquisas futuras e ajudar no desenvolvimento de terapias. ;Na degeneração macular, há lesões atenuadas aos cones e bastonetes, as células fotorreceptoras. Então, a partir do momento que você consegue produzir essas células, isso pode ajudar em um tratamento, algo que seria muito bem-vindo. Outra possibilidade seria a de esses pesquisadores conseguirem desenvolver alguma substância que possa corrigir os níveis desses hormônios relacionados aos fotorreceptores, e dessa forma, tratar o desequilíbrio;, completou.

;Essa é uma questão realmente bonita, tanto visualmente quanto intelectualmente ; o que é que nos permite ver a cor?;
Kiara Eldred, uma das autoras do estudo

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação