Ciência e Saúde

Com população mais alta e pesada, falta de comida será um problema até 2048

Baseados em dados demográficos de 186 países, cientistas noruegueses estimam que viveremos uma crise alimentícia até 2048. A população mundial aumentará em peso, altura e quantidade, mas não haverá comida suficiente para mantê-la

Vilhena Soares
postado em 18/11/2018 08:00
Ilustração de peso e altura da população em 1975 e 2014Em cerca de 30 anos, a população mundial ganhará novos contornos. Serão cerca de 9 bilhões de pessoas (somos 7,6 bilhões hoje), mais altas e mais gordas que a média atual, segundo projeções feitas por cientistas noruegueses. Ao trabalhar sobre dados demográficos de 186 países, a equipe também detectou que a oferta de alimentos pode não conseguir acompanhar esse novo perfil de habitantes. Eles estimam que, somando os dois fenômenos com a destruição em curso do meio ambiente, poderemos enfrentar uma grave crise na produção alimentícia, fazendo com que a fome se torne um problema de proporções ainda maiores.

Segundo o estudo, publicado na revista especializada Sustainability, em um futuro próximo, as pessoas comuns precisarão de mais comida do que hoje. Mudanças nos hábitos alimentares, desperdício de alimentos, aumento da altura e da massa corporal e as transições demográficas são algumas das razões envolvidas. ;Será mais difícil alimentar 9 bilhões de pessoas em 2050 do que seria hoje;, explica ao Correio Gibran Vita, doutorando do Programa de Ecologia Industrial da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia e um dos autores do estudo.

Gibran Vita e seus colegas detectaram que, em 2014, um adulto médio era 14% mais pesado, 6,2% mais velho, cerca de 1,3% mais alto e precisava de 6,1% mais energia do que uma pessoa com perfil semelhante em 1975. ;Um adulto global médio consumia 2.465 quilocalorias por dia em 1975. Em 2014, 2.615 quilocalorias;, explica.

Globalmente, o consumo humano cresceu 129% no mesmo período, sendo que o aumento da população responde por 116% desse valor e o do peso e da altura das pessoas, por 15%. Em contraponto, o envelhecimento reduziu as necessidades energéticas em 2%. Segundo Felipe Vásquez, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, considerando o aumento do peso e da altura e a influência do envelhecimento, a demanda de energia corresponde à demanda por alimento de 286 milhões de pessoas. ;Isso corresponde aproximadamente às necessidades alimentares da Indonésia e da Escandinávia juntas;, ilustra.

Brasil


Os pesquisadores observaram que há países que sofreram mudanças ainda mais expressivas. Em Santa Lúcia, no Caribe, por exemplo, o peso médio dos adultos subiu de 62kg em 1975 para 82kg 40 anos depois. As maiores alterações foram constadas em países da África; e as menores, nos asiáticos.

No Brasil, as necessidades médias alimentares eram de 2.518 quilocalorias por pessoa por dia em 1975 e subiram para 2.729 quilocalorias em 2014. ;O peso de um brasileiro médio foi de 58kg para 70kg. Um aumento considerável;, ressalta Gibran Vita. A altura do brasileiro mudou de 1,61m para 1,64m, e a idade média dos adultos de 37 anos para 42 anos.

Os investigadores ressaltam que a pesquisa se diferencia de outras análises pelos métodos utilizados. ;Estudos anteriores não levaram em conta as crescentes demandas de indivíduos com excesso de peso e sociedades idosas ao calcular as futuras necessidades alimentares de uma população em crescimento;, explica Felipe Vásquez Vásquez.

Segundo o cientista, a maioria dos estudos estima que as necessidades alimentares de um adulto médio permanecem constantes ao longo do tempo e que são bastantes semelhantes entre as nações. Para eles, o cenário não é bem assim. ;Essas suposições podem levar a erros na avaliação de quanto alimento realmente precisamos para atender à demanda futura;, frisa.


Biodemografia


Os autores do estudo reforçam que é necessário olhar mais do que apenas o número de habitantes de um local para entender os mecanismos por trás do consumo de alimentos. ;Precisamos considerar a população além de meros números. Estamos mudando rapidamente, e os hábitos de uma geração afetam os corpos das próximas;, lembra Gibran Vita.

Na tentativa de propor novos olhares, a equipe norueguesa conduziu o trabalho inspirado na biodemografia, um híbrido de biologia e demografia. ;Esse estudo surgiu com base na ecologia industrial, que ensina como manter uma perspectiva sistêmica sobre esse tipo de problema. Nós tentamos praticar a ecologia industrial com uma mente mais aberta. Por isso, usamos a teoria do metabolismo demográfico, que analisa os componentes relacionados ao crescimento da sociedade. Isso requer uma abordagem multidisciplinar que considera fatores sociais e fisiológicos;, detalha Gibran Vita. ;Como próximo passo, queremos explorar outros aspectos da mudança de corpos humanos, além da busca por alimentos.;

Novos hábitos podem ajudar

A mudança de comportamento alimentar é uma das medidas propostas pelos cientistas noruegueses para reduzir os impactos da possível crise na produção alimentícia. ;Estamos comendo mais alimentos do que nunca e ficando mais sedentários. Experimente comer menos. Coma apenas o necessário. Esteja atento ao próprio corpo;, sugere Gibran Vita, doutorando do Programa de Ecologia Industrial da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia e um dos autores do estudo.

Maria Edna de Melo, endocrinologista e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), também acredita que o excesso de peso, já preocupante no cenário atual, poderá ser agravado. Como forma de enfrentar agora o problema, a especialista lista quatro pontos básicos: ;A mudança da alimentação escolar, a taxação extra em bebidas açucaradas e alimentos gordurosos, a regulamentação da publicidade infantil e a rotulagem frontal, que identifique alimentos com excesso de gordura e sal;.

A médica ressalta que políticas voltadas para esses pontos, defendidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), começam a ser adotadas no Chile e no México, mas ainda sem a possibilidade de uma análise mais aprofundada. ;Ainda não temos como analisar o cenário nesses países porque essa mudança ocorreu recentemente, em 2016;, justifica. ;Mas acredito que, em dois anos, teremos resultados reais. Isso seria muito bom para o Brasil, visto que a última pesquisa nacional Vigitel mostra que 54% da população apresenta excesso de peso;, frisa

A médica também destaca que a economia é beneficiada com o combate à obesidade. São reduzidos, por exemplo, gastos relacionados a problemas desencadeados pelo excesso de peso, como diabetes e hipertensão. ;Prevenir pode sair muito mais em conta, além dos impactos que isso gera na rotina da pessoa, na qualidade de vida. Temos impactos econômicos e sociais consideráveis.; (VS)

Preocupação também ambiental

As conclusões a que chegaram os cientistas noruegueses estão em concordância com dificuldades observadas também por organizações não governamentais ambientalistas. ;Segundo a WWF, o maior problema ambiental do mundo é a destruição da vida selvagem e do habitat das plantas. Uma grande parte da devastação é devido às demandas de uma população humana em constante crescimento. Por outro lado, Fome Zero é o segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e seu desafio é atender a crescente demanda global por alimentos;, ilustra Gibran Vita, doutorando do Programa de Ecologia Industrial da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia.

Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti, pesquisadora e professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a produção alimentícia pode não conseguir suprir as necessidades da população em um futuro não muito distante. ;Já estamos vivenciando esse problema, com impactos na saúde das pessoas. Produtores preocupados em produzir mais têm abusado do uso de hormônios nos alimentos, como na produção de frangos, visando apenas o lucro. O mesmo acontece com o uso de todos os tipos de agrotóxicos possíveis em plantações;, explica.

Para a especialista, além da preservação do meio ambiente, o incentivo aos pequenos produtores pode otimizar a produção de alimentos e gerar, ao mesmo tempo, uma oferta mais saudável. ;A agricultura familiar é uma das poucas que ainda não trabalha com esses recursos tóxicos, mas esses produtos ainda são mais caros, o que se torna um entrave. É preciso conscientizar a população e também criar políticas públicas que ajudem a esses pequenos agricultores, algo que sabemos que é difícil devido à forma como o mercado funciona;, contextualiza. (VS)

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