Ciência e Saúde

Substância encontrada em vespa brasileira combate superbactérias

Pesquisadores isolam substância tóxica produzida por vespa e obtêm um composto eficaz no combate a micro-organismos resistentes a medicamentos

Vilhena Soares
postado em 25/12/2018 08:00

Vespa da espécie brasileira Polybia paulista cujo veneno poderá ser utilizado para combater o câncer

Uma das maiores buscas da medicina é a geração de novos antibióticos. O uso errôneo dessas drogas pela população tem provocado a resistência das bactérias, o que impede o combate eficaz aos agentes infecciosos. Na procura por mais substâncias com o mesmo potencial terapêutico, pesquisadores norte-americanos modificaram, em laboratório, o veneno de uma vespa de origem brasileira. As alterações fizeram com que o composto perdesse a toxicidade e também obtivesse resultado positivo no combate a infecções. As descobertas foram publicadas na revista especializada Nature Communications Biology.

Os cientistas explicam que a toxina peptídica derivada do veneno da vespa, conhecida como Polybia paulista, espécie encontrada no Brasil, já havia sido identificada. ;No entanto, tinha a questão de que ela era tóxica para as células humanas, por isso, nunca poderia ser transformada em antibióticos viáveis;, detalhou ao Correio César de la Fuente, professor do Departamento de Bioengenharia da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. No experimento, os pesquisadores isolaram esse peptídeo, que foi considerado o mais promissor pelo tamanho reduzido ; apenas 12 aminoácidos. Essa característica, segundo os especialistas, torna viável a criação de diversas variantes que podem ser testadas no combate aos agentes infecciosos, de forma menos nociva aos humanos.;

;É um peptídeo pequeno o suficiente para que você possa tentar silenciar os resíduos de aminoácidos que quiser, o que também torna possível a busca de como cada bloco de construção contribuiu para a atividade antimicrobiana e a toxicidade;, explicou De la Fuente. ;Usando técnicas de biologia sintética, modificamos a sequência da toxina para reutilizá-la em uma molécula sintética não tóxica;, complementou.

Ação promissora
Veja como peptídeo presente em veneno de vespa pode gerar efeitos terapêuticos semelhantes ao de antibióticos
1 - O veneno de insetos como vespas e abelhas está cheio de compostos que podem matar bactérias, mas muitos deles também são tóxicos aos seres humanos;
2 - Pesquisadores isolaram um peptídeo da toxina da vespa Polybia paulista, espécie encontrada no Brasil;
3 - Concluíram que o peptídeo é promissor pelo tamanho reduzido. Como tem apenas 12 aminoácidos, é mais viável a criação de diversas variantes para o combate a micróbios;
4 - O peptídeo mais forte criado pelas combinações foi testado em ratos;
5 - A substância combateu a Pseudomonas aeruginosa, uma linhagem de bactérias que causa infecções diversas, como as respiratórias, e é resistente à maioria dos antibióticos;
6 - A hipótese dos cientistas é de que, como peptídeos antimicrobianos, o derivado do veneno da Polybia paulista consegue romper as membranas das células bacterianas.

Infecções

Os pesquisadores, em seguida, testaram a substância em ratos. Eles observaram que o veneno combateu a Pseudomonas aeruginosa, uma linhagem de bactérias que causa infecções diversas, como as respiratórias, e que é resistente à maioria dos antibióticos. ;Ele foi eficaz em matar bactérias in vitro e em um modelo de camundongo e, portanto, representa um novo antibiótico promissor. Depois de quatro dias, esse composto conseguiu eliminar completamente a infecção, e isso foi bastante surpreendente e emocionante, porque, normalmente, não vemos isso com outros antimicrobianos experimentais ou outros antibióticos que testamos no passado com esse modelo de rato em particular;, assinalou De la Fuente.

Alberto Chebabo, infectologista do Laboratório Exame, de Brasília, considerou que a pesquisa americana é positiva, pois trata de um ponto de grande relevância atual na área médica. ;Essa é uma necessidade que vemos cada dia mais frequentemente, que é a criação de novos antibióticos, e estudos que tratam esse tema atenderiam a essa demanda. Mas ainda é uma pesquisa muito inicial, devemos aguardar mais detalhes, saber se esse composto pode combater cepas que são extremamente resistentes;, frisou o especialista.

O infectologista ressaltou que o uso de venenos de animais é algo que ainda não havia sido explorado na criação de antibióticos, o que pode, no futuro, gerar uma nova classe de medicamentos. ;Temos muitas vertentes desse tipo de remédio; porém, o uso de venenos ainda não havia sido explorado, muito provavelmente pela toxicidade envolvida, algo que os cientistas conseguiram alterar nesse estudo. Caso a pesquisa evolua, teremos um campo novo de pesquisa extremamente interessante;, enfatizou.

A equipe americana adiantou que dará continuidade à pesquisa. ;O próximo passo é traduzir nossas descobertas em medicamentos. Portanto, tentaremos avaliar sistematicamente a toxicidade potencial do peptídeo sintético e compararemos a eficácia com os antibióticos padrões de tratamento;, afirmou De la Fuente. Os cientistas avaliaram que muitos outros compostos presentes no meio ambiente, como o retirado da vespa brasileira, têm potencial de se tornar novos medicamentos. ;A natureza tem bilhões de anos para desenvolver moléculas maravilhosas que realizam tarefas incríveis. Inspirando-nos em tais moléculas, podemos encontrar soluções para os desafios médicos mais difíceis. Eu acredito que alguns dos princípios que aprendemos aqui podem ser aplicáveis a outros peptídeos semelhantes que são derivados do meio ambiente;, disse.

O pesquisador americano também ressaltou o papel do Brasil nesse desafio. ;O Brasil tem uma incrível diversidade natural que pode ser a fonte de novas moléculas úteis, e o país treinou químicos, biólogos, engenheiros, médicos com esse objetivo, o que contribuirá nessas análises;, opinou.

Ameaça crescente

A busca de estratégias para enfrentar as superbactérias mobiliza estudiosos, a ponto de o problema ser considerado uma das maiores ameaças à saúde global da atualidade. No ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) promoveu uma conferência internacional exclusivamente para tratar do assunto, com o objetivo de conscientizar a população, os profissionais da área e os gestores públicos. Segundo as estimativas, mais de 700 mil pessoas morrem anualmente em todo o mundo devido a infecções provocadas por bactérias resistentes. Um estudo patrocinado pelo governo britânico prevê que esse número poderá chegar a 10 milhões a partir de 2050.

;O próximo passo é traduzir nossas descobertas em medicamentos. Portanto, tentaremos avaliar sistematicamente a toxicidade potencial do peptídeo sintético e compararemos a eficácia com os antibióticos padrões de tratamento;
César de la Fuente, professor da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos

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