Ciência e Saúde

Embalagens com super-heróis aumentam venda de produtos alimentícios

Segundo especialistas, o mecanismo pode ser usado para estimular a aquisição de alimentos saudáveis

Vilhena Soares
postado em 13/01/2019 08:00
Segundo especialistas, o mecanismo pode ser usado para estimular a aquisição de alimentos saudáveis Uma ida ao mercado, a uma loja de brinquedos ou de departamento é suficiente para encontrar imagens de heróis e vilões do universo do entretenimento. Grande parte dos produtos tem, na embalagem, reproduções de personagens famosos. À primeira vista, pode-se dizer que essa estratégia tão explorada pelas indústrias tem o objetivo de estimular o consumo entre as crianças. Mas o uso de ícones da televisão e do cinema também atinge as pessoas mais velhas, e isso pode ser usado para outros fins, como incentivar o consumo de alimentos saudáveis, defende uma pesquisadora da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos.

;Eu adoro assistir a filmes e ler livros com heróis e vilões, e comecei a me perguntar se um rótulo com imagem desses personagens faria com que eu gostasse mais ou menos de um produto e se isso poderia afetar minhas escolhas como consumidora. Estava interessada em analisar carros, perfumes e até alimentos. Decidi, inicialmente, estudar essa última categoria;, conta ao Correio Tamara Masters, líder do estudo e pesquisadora na área de negócios da instituição americana.

No trabalho, publicado recentemente na revista especializada Journal of Consumer Psychology, a cientista e sua equipe realizaram uma série de experimentos. Em um deles, analisaram um grupo de voluntários adultos, divididos conforme a atividade a que foram submetidos. Metade viu a imagem de uma garrafa, e a outra parcela, a imagem de um sorvete. A descrição da garrafa informava ;Água da Fonte Vilão ; implacável, astuta e perigosa; ou ;Água Heroica da Primavera ; paciente, corajosa e com integridade;. O sorvete também continha as duas apresentações. Os resultados do experimento mostraram que os participantes estavam dispostos a pagar mais pela água e pelo sorvete quando os produtos vinham com a etiqueta de herói.

A equipe também observou dados de vendas de mercearias para avaliar padrões de comportamento de consumo. Os investigadores acompanharam a venda de salgadinhos embalados com uma imagem do personagem infantil Scooby Doo ou com a do Darth Vader, um vilão da série de filmes Star Wars. Descobriram que os consumidores favoreciam o produto com o herói estampado ; foram registradas 289 vendas, contra 156 do outro. ;Vemos rótulos de heróis e vilões em todos os lugares, e as pessoas não percebem como esse elemento justifica suas decisões de compra;, reforça Tamara Masters. Segundo ela, este é o primeiro trabalho científico a abordar a temática. ;O outro que encontrei era da área da psicologia e lidou apenas com o comportamento agressivo;, conta.

Para Vladimir Melo, psicólogo e um dos organizadores do livro Transtornos alimentares e obesidade, o estudo é oportuno para que se tome maior consciência sobre o papel da propaganda na rotina de uma família, já que mostra o quanto as embalagens influenciam no momento da compra de uma mercadoria. ;No Brasil, as pessoas não são educadas a ler os rótulos e acabam consumindo de maneira pouco racional. A indústria de alimentos sabe disso e tira proveito, criando a ilusão de que um produto processado é saudável;, exemplifica. Segundo o especialista, os dados também ajudam a entender melhor os processos de escolha que têm motivações inconscientes.

Dispostos a gastar

Os pesquisadores americanos também testaram as hipóteses no ;mundo real;. Eles montaram uma mesa de degustação de alimentos em uma mercearia de verdade com amostras de doces de queijo. Ao longo do dia, a equipe mudou o cartaz que descrevia o alimento para mostrar imagens de Luke Skywalker (herói) ou de Darth Vader (vilão), personagens da saga de filmes Star Wars. Os slogans também foram sendo modificados, com o uso das expressões ;saudável e nutritivo; e ;saboroso e decadente;. Após degustar o doce, os clientes tinham que escrever o quanto estariam dispostos a pagar por um pacote com 10 unidades do produto. A maioria pagaria mais pelo que estava com o slogan ;saudável e nutritivo; e a imagem do herói.

Tamara Masters acredita que essa estratégia pode ser usada para estimular os adultos a fazerem melhores compras. ;As pessoas podem querer ser saudáveis e gastar menos, mas elas ainda querem algo que seja empolgante, e a rotulagem certa pode tornar isso possível. Se alguém quer um sorvete que é embalado com um herói no rótulo, o caráter gentil e benevolente faz o produto parecer menos vicioso. Mas um produto que já é saudável, como a água, se beneficiaria mais da rotulagem porque faz a água parecer mais ousada e excitante;, explica. ;Ou seja, isso pode ser usado de duas formas. Algo que é ;ruim para você; é menos prejudicado com um rótulo de herói, o mesmo pode ser feito com alimentos saudáveis. Tomada de decisão humana e motivações são temas extremamente interessantes;, complementa.

Vigilância e vontade

Independentemente do tipo de produto, o uso de vilões ou heróis e de outras técnicas para estimular o consumo merece a atenção de autoridades públicas, segundo o psicólogo Vladimir Melo. ;As estratégias usadas com base nessas informações podem servir para difundir uma educação ou uma alimentação mais saudável ou mascarar perigos. Por isso, o governo precisa intervir e estabelecer limites para a publicidade, tendo em vista que o consumidor é muito vulnerável, sobretudo as crianças. Em vários países, existem leis que regulam o que pode e como pode ser veiculado para elas;, opina.

O especialista conta que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está revisando a rotulagem e, possivelmente, surgirão etiquetas com informações de linguagem mais acessíveis e claras. Ainda assim, defende Vladimir Melo, os cidadãos comuns precisam estar dispostos a mudar hábitos. ;De todo modo, a expectativa é de que as pessoas se envolvam no processo de escolha de alimentos e que isso melhore a qualidade e a expectativa de vida da sociedade, pois a obesidade já é um dos maiores problemas de saúde no mundo e leva a várias doenças fatais;, frisa.

Christiane Moulin, endocrinologista da clínica Metasense, em Brasília, também acredita que a pesquisa que mostra a influência da imagem de heróis na escolha de adultos reforça a necessidade do cuidado com a publicidade e de maior atenção com as informações presentes em rótulos. ;Existem muitas pesquisas que mostram o quanto as pessoas podem se confundir com os dados relacionados aos produtos. Por isso, muitos órgãos que combatem a obesidade têm criado campanhas para que a rotulagem mude. É muito difícil saber o que são carboidratos, lipídios. São necessárias imagens mais claras, que mostrem, por exemplo, que um alimento é rico em sal;, ilustra. Tornar os dados mais acessíveis também é uma necessidade, segundo a especialista. ;Há as pessoas que não conseguem ler, os daltônicos, que interpretam as cores de forma diferente, tudo isso precisa ser considerado;, frisa. (VS)

Alerta em triângulos

Uma das prioridades atuais da Anvisa é o processo de rotulagem de alimentos. Três processos relacionados à rotulagem estão em discussão no órgão. Um dos projetos foi apresentado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). No modelo, há a previsão do uso, nos rótulos, de triângulos de cores distintas para informar riscos altos, médios e baixos em relação à qualidade nutricional de alimentos. A ideia é ajudar os consumidores a fazerem comparações entre as opções disponíveis nas prateleiras.

Palavra de especialista: a força do ideário coletivo

;Esse estudo aborda, de uma maneira muito interessante, um tema bastante explorado pela ciência: a construção do ideário coletivo. Criamos, nesse imaginário, a figura dos heróis, uma coisa que não é nova, que vem desde os gregos antigos. Os trabalhos de Hércules são uma dessas histórias que trazem esse padrão. Hoje, temos outras milhares criadas pela indústria, que explora a mesma narrativa. O uso da figura heroína como auxílio na alimentação mais saudável também já foi usado. Temos o caso do Popeye, que comia espinafre para ficar mais forte. Muitos pais usaram esse exemplo com os filhos que gostavam desse personagem infantil. Acredito que seria interessante realizar o mesmo tipo de pesquisa em território brasileiro. Nós não temos uma figura com essas características com origem no nosso país. Usamos, em maioria, os heróis norte-americanos.;
Leniomar Morais, professor do curso de design gráfico do Centro Universitário Iesb de Brasília

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação