Vilhena Soares
postado em 30/01/2019 06:00
Complicações ocorridas durante o nascimento ou em consequência de acidentes são algumas das situações que podem provocar danos nos nervos. Para corrigir problemas dessa natureza, a única opção disponível atualmente é a cirurgia, mas ela nem sempre rende os resultados esperados. Em busca de um tratamento mais eficaz para esse problema, pesquisadores holandeses resolveram unir a intervenção cirúrgica com a terapia genética. A estratégia foi testada em ratos e rendeu as melhoras almejadas pelos cientistas. Os resultados foram publicados na última edição da revista especializada Brain.
A ideia de usar a genética como recurso extra para tratar problemas nervosos era um desejo antigo de um dos autores do estudo. ;Em 1998, tive a ideia de que a terapia genética seria uma maneira de promover a regeneração do nervo periférico lesionado;, explicou ao Correio Joost Verhaagen, principal autor da pesquisa e pesquisador do Instituto Holandês de Neurociência (NIN) e do Centro Médico da Universidade de Leiden (LUMC).
Verhaagen explica que grande parte dos pacientes com problemas nos nervos perdem a função do braço, por exemplo, e são incapazes de realizar atividades diárias, como segurar uma xícara de café. ;Após a cirurgia, as fibras nervosas têm que atravessar muitos centímetros antes de atingir os músculos, por isso as células nervosas das quais novas fibras precisam para se regenerar são perdidas em grande número. A regeneração da fibra nervosa não atinge os músculos. A recuperação da função do braço é decepcionante e incompleta;, ressaltou Ruben Eggers, um dos autores do trabalho e também pesquisador do NIN.
No estudo, os cientistas resolveram combinar a reparação neurocirúrgica com a terapia genética em experimentos realizados em ratos com danos nervosos. Os cientistas utilizaram uma substância chamada de fator neutrófico de crescimento, que impulsiona o desenvolvimento dos nervos. Ela foi aplicada dentro de um vírus inativado, pois segundo os cientistas, apenas dessa forma a substância teria como entrar no DNA dos animais.
Em conjunto com a aplicação do fator neutrófico de crescimento, os pesquisadores também deram aos roedores, misturado à comida, um antibiótico. O medicamento permitiu que os cientistas tivessem mais controle em relação ao DNA, numa técnica chamada de troca furtiva, que permite a ativação alternada e específica de genes. ;A troca do gene é um passo importante para o desenvolvimento da terapia genética para danos nos nervos. O uso de um interruptor invisível melhora a terapia genética, tornando-a ainda mais segura. Como fomos capazes de desligar a terapia genética quando o fator de crescimento não era mais necessário, a regeneração de novas fibras nervosas em direção aos músculos melhorou consideravelmente;, frisou Ruben Eggers.
Os resultados foram positivos, muitas das células nervosas que estavam morrendo puderam ser resgatadas e o crescimento das fibras nervosas na direção do músculo pode ser estimulado.
Segundo Ivan Coelho Ferreira, neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN), o estudo mostra dados importantes para tratamento. O cientista explica que a terapia gênica usada pelos cientistas pode complementar o tratamento atual. ;Um caso comum onde ocorre esse tipo de lesão é em acidentes de moto. Neles uma lesão no ombro ocorre com frequência, e isso dificulta a movimentação. Mesmo com a cirurgia é difícil retornar as funções originais das raízes dos nervos. A cirurgia resolve, mas não totalmente;, detalhou o especialista.
;Essa interferência genética testada pelos pesquisadores estimulou os axônios, células relacionadas a esse crescimento nos nervos, e mais importante ainda, isso foi feito por meio dessa técnica de ligar e desligar o DNA, usando esse estímulo apenas quando necessário. Isso evita que ocorram excessos e possíveis danos, pois desequilíbrios poderiam causar danos graves;, frisou Ferreira.
Próximo passo
Os autores do estudo explicaram que a terapia genética testada no estudo ainda não está pronta para uso em pacientes. Eles ressaltam que embora a capacidade de desativar um gene terapêutico seja um grande passo à frente, os pesquisadores ainda encontraram pequenas quantidades do gene ativo quando o ;interruptor; do DNA foi desligado. Portanto, mais pesquisas são necessárias para otimizar essa terapia. ;Devemos primeiro testar se a terapia genética é segura, por exemplo, em uma lesão nervosa em um modelo animal de grande porte. Nosso próximo passo é combinar a terapia gênica do fator neutrófico em um grupo de cobaias mais complexas;, frisou Verhaagen.
Ferreira também acredita que os resultados observados precisam de um maior aprofundamento para que novos tratamentos com base no estudo se tornem realidade. ;Os cientistas já observaram ganhos extremamente consideráveis nesses experimentos com ratos e determinaram quatro semanas como o tempo ideal para essa recuperação nesses animais. Porém, é necessário ter medidas com base em animais de maior porte, como macacos, além de testar a segurança. Só assim teremos uma noção se isso funcionaria em humanos e qual o tempo necessário de intervenção para ter essa recuperação;, observou o médico brasileiro.