Paloma Oliveto
postado em 10/02/2019 09:00
Já se passaram 113 anos desde que o alemão Alois Alzheimer enxergou, no microscópio, estranhas manchas que se formavam entre as células do cérebro de uma ex-paciente. Não demorou para que o médico juntasse as peças. A mulher, examinada por ele algum tempo antes, exibia sinais de agressividade, paranoia e perda progressiva de memória. O psiquiatra, então, levantou a hipótese de que alterações cerebrais estavam associadas a sintomas mentais. Desde então, foram publicadas centenas de milhares de artigos científicos sobre esse tipo de demência, investidos trilhões de dólares em pesquisas e realizadas centenas de ensaios clínicos de substâncias com potencial de tratar o mal. Porém, até agora, nenhum medicamento se mostrou capaz de agir diretamente na causa do Alzheimer.Nos dois últimos anos, drogas consideradas promissoras falharam nas etapas finais dos testes. Na Europa, o projeto cérebro humano financia desse 2013 mais de 100 universidades e instituições, que resultaram em nove ensaios clínicos (com pacientes humanos) de fase II e 12 de fase III em curso, mas as expectativas da comunidade científica são baixas em relação aos resultados. Em todo o mundo, há 114 estudos ativos ; a maior parte, nos Estados Unidos ;, mas poucos parecem ter potencial de alterar o curso da doença, que, segundo a Associação Internacional de Alzheimer, deverá afetar 75 milhões de pessoas em 2030 e 132 milhões em 2050.
[SAIBAMAIS];O fracasso dos ensaios clínicos é tão retumbante que colocou em dúvida a própria teoria sobre como a doença vai danificando o cérebro;, aponta o geriatra Otávio Castello, presidente da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer. Ele destaca que a última vez que se aprovou um medicamento para lidar com a enfermidade neurodegenerativa foi em 2003. Entre 2002 e 2012, foram realizados 410 estudos com seres humanos, sendo 224 deles de fase III, a última antes de a droga ser patenteada e lançada no mercado. ;Nenhum funcionou. Foram US$ 1 trilhão para a lata do lixo.;
Desde então, as apostas voltaram-se a três anticorpos monoclonais. Porém, à exceção do aducanumab, que tem demonstrado resultados modestos nos estudos de fase III, previstos para encerrar em 2021, os demais falharam. Em 30 de janeiro, a Genentech, do Grupo Roche, anunciou a descontinuidade em dois ensaios clínicos de fase III com o crenezumab, depois de a substância não ter alcançado os resultados esperados. A farmacêutica informou, porém, que um estudo com essa droga em curso na Colômbia será concluído e que continuará a pesquisar a ação do gantenerumab. Esse último tem mecanismo de ação semelhante ao crenezumab: trata-se de um anticorpo que ataca diretamente as placas beta-amiloide. Atualmente, é testado em dois ensaios de fase 3, o Graduate 1 e o Graduate 2.
Proteína em xeque
A maioria dos medicamentos em teste tem como foco a proteína amiloide, que, quando produzida em excesso, danifica as conexões entre as células nervosas cerebrais, causando problemas de memória e demência. O depósito da substância é geralmente associado ao início do Alzheimer. Em tese, uma substância capaz de impedir esse processo poderia ser a cura para a doença. Contudo, a teoria da cascata amiloide tem sido colocada em dúvida após os seguidos resultados fracassados, ressalta Castello. Não que a proteína não esteja envolvida no processo neurodegenerativo, mas o que as falhas nos testes clínicos sugerem é que ela é apenas parte de um quadro bem mais complexo.Richard Killick, pesquisador do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King;s College de Londres, segue uma pista que poderá ajudar a resolver essa questão. No fim do ano passado, ele descobriu um mecanismo de retroalimentação na produção excessiva de beta-amiloide. Para o cientista, talvez, isso explique por que as drogas desenhadas para frear o processo estejam falhando. Em um estudo publicado na revista Translational Psychiatry, ele descreve que, quando as placas da proteína que se acumulam nos tecidos cerebrais começam a danificar as sinapses, as células nervosas que estão sendo atacadas passam a produzir mais beta-amiloide, em um ciclo de destruição. ;Acreditamos que, uma vez que esse processo saia de controle, já é tarde demais para as drogas que visam a beta-amiloide serem eficazes. Isso poderia explicar por que tantos testes falharam;, afirma.
Olhar genético
Na opinião do neuropsiquiatra Daniel Geschwind, da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), é preciso compreender mais o papel dos genes na neurodegeneração associada à demência para se desenvolver tratamentos eficazes que atrasem ou mesmo interrompam o curso da doença. Em dezembro, ele relatou, na revista Nature Medicine, a descoberta de dois grupos de genes envolvidos em mutações que resultam na superprodução de outra proteína relacionada ao Alzheimer, a tau.Em estudos com cultura de células humanas e em camundongos, a equipe de Geschwind descobriu que esses grupos de genes são superexpressos no caso de demência frontotemporal, um tipo precoce do problema, o que faz com que produzam a proteína tau em excesso, mecanismo também associado ao Alzheimer e à paralisia supranuclear (condição que afeta a cognição e o movimento). ;Desligar; os genes poderia impedir o processo, diz Geschwind. ;Há ainda muito trabalho a ser feito para desenvolvermos drogas que possam ser usadas contra esses alvos, mas demos um passo encorajador;, acredita.
Investimento alto
O principal indexador de estudos científicos do mundo, o Pubmed, tem 103.048 registros de estudos contendo a palavra-chave Alzheimer. Já a plataforma brasileira Scielo apresenta 819 referências à doença no banco de dados eletrônicos. Dois grandes projetos mundiais, um europeu e um norte-americano, receberam trilhões de dólares para financiar pesquisas que levem ao tratamento desse tipo de demência. Somente nos EUA, o Congresso autorizou o repasse de US$ 1,9 bilhão por ano até 2025."O fracasso dos ensaios clínicos é tão retumbante que colocou em dúvida a própria teoria sobre como a doença vai danificando o cérebro;
Otávio Castello, geriatra e presidente da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer