Modelo histórico
A primeira versão da tabela que reconhecemos tem precedentes. Antes de Mendeleev, houve investigação de padrões nas propriedades dos elementos conhecidos. A primeira tentativa de classificá-los foi em 1789, quando Antoine Lavoisier os agrupou em gases, não metais, metais e terras. Nas décadas seguintes, outras versões surgiriam. A genialidade do químico russo foi deixar lacunas para elementos não descobertos. Ele chegou a prever a propriedade de cinco.
“Hoje Li na Kapa da Revista Coisas Francesas”, “Bela Margarida Casou com o Senhor Bartolomeu Ramos”, “Cuspi no Cão de Agnaldo, ele fez Au”. Sem qualquer sentido, frases como essas são repetidas à exaustão por estudantes que, há mais de um século, inventam truques para decorar a tabela periódica. Se, nos tempos de colégio, o sistema de organização dos elementos químicos parece um bicho-papão que tira o sono na véspera das provas, essa ferramenta, criada há 150 anos pelo russo Dmitri Mendeleev, até hoje é de extrema importância para a química. Em comemoração à data, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estabeleceu 2019 como o Ano Internacional da Tabela Periódica.
Mais que uma sopa de letrinhas, trata-se de um recurso ao qual os cientistas recorrem para se informar sobre características dos elementos, como peso, estrutura atômica e similaridade, para, então, fazer seus experimentos. “A tabela periódica é nosso instrumento de trabalho, usamos para tudo, da sala de aula aos laboratórios”, explica Claudia Moraes de Rezende, professora-associada do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que lidera as celebrações do Ano Internacional da Tabela Periódica no Brasil.
A combinação entre os elementos resulta em absolutamente tudo que se conhece na Terra e fora dela. A tabela, porém, não é um sistema fechado. A primeira, publicada por Mendeleev, continha 63 elementos, sendo alguns acompanhados por uma interrogação, porque o russo não tinha certeza sobre eles — hoje, são 118 (92 naturais, e o restante, sintéticos). O químico tinha consciência de que a ferramenta poderia ser esticada. Tanto que deixou espaços em branco para novas adições. As mais recentes foram em 2016, quando nihonium (Nh), moscovium (Mc), tennessine (Ts) e oganesson (Og) entraram para a sétima fila — no ano seguinte, a União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac) referendou a existência do quarteto durante o 6º Congresso Mundial de Química, realizado no Brasil.
Contudo, o centro de debates entre os químicos, hoje, não é o aumento da tabela, mas uma possível e provável diminuição. Métodos predatórios de prospecção de materiais para a indústria e, principalmente, consumo exagerado de bens colocam em risco reservas de diversos elementos naturais, como hélio (H), estrôncio (Sr), ítrio (Y), háfnio (Hf), tântalo (Ta), zinco (Zn), prata (Ag), índio (In), gálio (Ga), germânio (Ge), arsênio (As) e telúrio (Te). Todos esses podem ficar escassos já nos próximos 100 anos, segundo a Sociedade Europeia de Química. Deles, cinco são utilizados em componentes de aparelhos celulares. Outros 11 podem rarear devido ao uso excessivo e 22 têm disponibilidade limitada porque as reservas não são abundantes.
“É fundamental buscar a mesma propriedade em novos elementos, não só para resolver a escassez, mas também por questão de saúde dos trabalhadores e de contaminação do meio ambiente”, destaca Aldo Zarbin, professor do Instituto de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente da Sociedade Brasileira de Química até o ano passado. Uma das pesquisas desenvolvidas por ele, por exemplo, consiste em utilizar sódio (Na) e potássio (K), que têm distribuição abundante, para substituir o lítio (Li). “Muito usado nas baterias de celular, o lítio é um elemento raro, e as minas concentram-se em poucas regiões”, justifica. Para Claudia Moraes de Rezende, da UFRJ, a falta de conscientização sobre a finitude dos elementos é geral. “Não há uma coleta inteligente nas minas, há poucas iniciativas de reciclagem e reúso e o consumo é exagerado. É um descaso com a natureza, com o planeta como um todo”, lamenta.
Para comemorar os 150 anos da tabela periódica e lembrar que muitos de seus componentes estão em risco, a Sociedade Europeia de Química construiu uma tabela estilizada, que evidencia o status atual dos elementos naturais (Veja infográfico). “Existe uma quantidade finita dos elementos naturais e estamos os usando tão rápido que alguns estarão dissipados do mundo em menos de 100 anos. Realmente, precisamos trocar nosso aparelho de telefone a cada dois anos?”, questiona David Cole-Hamilton, vice-presidente da instituição e professor de química na Universidade de St. Andrews, na Escócia.