O mundo testemunha um declínio da população de grandes primatas à taxa de 6% ao ano devido ao impacto de atividades humanas. A queda não é, porém, apenas no número de indivíduos. Um estudo com a participação de 15 pesquisadores internacionais publicado na revista Science alerta que, em consequência direta de problemas como destruição do habitat, caça ilegal e doenças, os chimpanzés estão perdendo, também, características culturais e comportamentais, o que amplifica ainda mais as ameaças a esse que é o ;primo; mais próximo do homem.
Liderado pelo Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva e pelo Centro Alemão de Pesquisa de Biodiversidade Integrativo, o grupo de cientistas compilou um banco de dados sobre 31 comportamentos observados em 144 comunidades, cobrindo toda a área geográfica de vida selvagem da espécie. Além das informações coletadas na literatura científica, a equipe fez pesquisa de campo em 46 localidades durante nove anos.
Os chimpanzés exibem uma série de comportamentos únicos, como extração e consumo de cupins, formigas, algas, mel e castanhas; uso de ferramentas para caça ou escavação de tubérculos, além de utilizar pedras para diversos fins. Eles também se valem de um amplo repertório gestual para se comunicar, e estudos com animais em cativeiro sugerem que esse primata adquire informações socialmente, aprendendo com base no que os outros membros do grupo fazem. Porém, na vida selvagem, há uma ampla variação de comportamentos, indicando que, assim como entre humanos, os chimpanzés também exibem variantes culturais.
;No estudo, nós mensuramos múltiplos níveis de impacto humano nos habitats selvagens de chimpanzés, incluindo a densidade da população humana, a existência de estradas e a cobertura florestal. A análise revelou um padrão forte e robusto ; a diversidade do comportamento dos chimpanzés foi reduzida em 88% quando o impacto humano foi maior, comparado aos locais com menos presença do homem;, conta Kevin Langergraber, pesquisador da Universidade Estadual do Arizona e coautor do estudo. O cientista destaca que a diversidade comportamental, embora um importante fator da biodiversidade, não era considerada uma preocupação hvia até pouco tempo. Com escassos dados disponíveis, não se tinha certeza sobre se as atividades do homem estariam afetando, além do tamanho das populações, o comportamento delas.
Combinação de impactos
Hjalmar Kühl, pesquisador do Departamento de Primatologia do Max Planck e um dos líderes do estudo, explica que o tamanho da população ; seja de humanos, seja de chimpanzés ; desempenha um importante papel na manutenção de traços culturais. ;A degradação do habitat e o esgotamento dos recursos naturais também podem reduzir as oportunidades de aprendizagem social e, assim, impedir a transferência de tradições locais de uma geração para a seguinte;, afirma. ;As mudanças climáticas também podem ter uma grande responsabilidade, influenciando a produção de importantes recursos alimentares e tornando sua disponibilidade imprevisível. É muito provável que uma combinação desses mecanismos potenciais tenha causado a redução observada na diversidade comportamental dos chimpanzés;, diz ele.Segundo Kühl, a redução de quase 90% nos traços de comportamento dos primatas em áreas em que a atividade humana é intensa aponta para a necessidade de estratégias de conservação que protejam, também, esse aspecto da biodiversidade. ;Localidades com conjuntos excepcionais de comportamentos devem ser protegidos como ;áreas de patrimônio cultural dos chimpanzés;, e esse contexto pode ser estendido a outras espécies com alto grau de variação cultural, incluindo orangotangos, macacos capuchinhos ou baleias;, defende. ;Chimpanzés são criaturas altamente inteligentes e adaptáveis;, disse, em nota, o coautor Kevin Lee, da Universidade do Arizona, insistindo na necessidade de abordagens conservacionistas mais amplas.
;Localidades com conjuntos excepcionais de comportamentos devem ser protegidos como ;áreas de patrimônio cultural dos chimpanzés;, e esse contexto pode ser estendido a utras espécies com alto grau de variação cultural;
Hjalmar Kühl, pesquisador do Departamento de Primatologia do Max Planck e um dos líderes do estudo
Simulação ajuda a reequilibrar habitat
Um estudo realizado no Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, onde populações inteiras de predadores de grandes mamíferos foram quase extintas durante a Guerra Civil, ilustra como a perda dos principais carnívoros de um ecossistema pode ter consequências de longo alcance para a populações de plantas e presas. Embora os resultados do trabalho da Universidade de Princeton, publicado na revista Science, ilustrem os impactos do ecossistema em cascata da extinção de predadores mediados pelo homem, eles também mostram que a restauração de carnívoros nessas áreas poderia ajudar a reverter quaisquer efeitos nocivos da atividade humana, dizem os autores.A Guerra Civil Moçambicana (1977-1992) devastou as populações de grandes mamíferos em toda a Gorongosa e resultou em declínios superiores a 90% em todas as espécies monitorizadas. Até hoje, a região permanece quase desprovida de predadores carnívoros, como leopardos, cães selvagens e hienas. Esses animais, no entanto, desempenham papel central na definição de um ecossistema por meio de cascatas tróficas ; um conceito ecológico que descreve as interações complexas e muitas vezes indiretas entre todos os membros da teia alimentar.
Sem medo
Uma maneira pela qual os predadores podem reduzir a abundância de presas é criando ;paisagens de medo; ; habitats ricos em recursos, mas arriscados, que presas tendem a evitar devido às chances de serem comidas. Alterando o comportamento dos herbívoros dessa forma, os predadores podem criar habitats em que certas plantas ingeridas pelos primeiros podem prosperar. No entanto, na ausência de carnívoros, esses locais antes perigosos poderiam se tornar ;paisagens de destemor;, onde herbívoros pastam e suprimem a abundância de plantas.Um exemplo estudado pelos pesquisadores foi o bushbuck, antílope que, em grande parte, mantém a cobertura de árvores para evitar predadores. No entanto, na Gorongosa, foi notada uma mudança em seu comportamento. O animal, no qual foi colocada uma coleira com GPS, aventurou-se na várzea, uma decisão que, na presença de carnívoros, seria perigosa. Porém, o comportamento mostrou-se reversível. Ao imitar a presença de predadores por meio de sons gravados e do espalhamento da urina desses animais, o bushbuck tornou-se medroso novamente, apesar das décadas de ausência de predadores. Segundo os autores, isso significa que é possível se obter o reequilíbrio natural do habitat com a reintrodução das espécies massacradas durante a guerra.