Vilhena Soares
postado em 02/05/2019 06:00

A base do método desenvolvido pelos pesquisadores norte-americanos surgiu ainda na década de 1980, durante um levantamento no Mar Morto, realizado por um ecologista israelense. O especialista encontrou um organismo que realiza um truque extremamente interessante: ele é capaz de converter a luz solar em energia elétrica. Essa façanha é possível graças a uma proteína chamada Archaerhodopsin 3.
Trinta anos após a descoberta, a equipe de Harvard removeu essa proteína e a introduziu em um cérebro humano, num experimento laboratorial, com o objetivo de realizar análises mais apuradas. ;Poderíamos inverter o truque? A proteína poderia converter a atividade elétrica dos neurônios em flashes detectáveis de luz? Depois de alguns anos de trabalho duro, descobrimos que sim;, ressaltou, ao Correio, Yoav Adam, um dos autores do estudo.
No sistema concebido pelos investigadores, diante da incidência de luz vermelha, a Archaerhodopsin 3 transforma a voltagem em luminosidade. Os cientistas também emparelharam a proteína com outra, semelhante a ela, que, quando iluminada com tom azul, acende impulsos elétricos nos neurônios. Com esse sistema, os pesquisadores conseguiram controlar e registrar a atividade de células cerebrais in vitro. ;O sistema funcionou bem em neurônios fora do cérebro, mas o nosso Santo Graal era fazer com que isso funcionasse em camundongos vivos;, detalhou Adam.
Cinco anos depois, o objetivo principal da equipe se tornou realidade. Após um trabalho que contou com a participação de mais de 24 neurocientistas, biólogos, físicos e cientistas da computação, os cientistas ajustaram a proteína para trabalhar com animais vivos mediante manipulação genética, aperfeiçoando ainda mais a técnica. A equipe construiu um microscópio personalizado ; com um projetor de vídeo para utilizar um padrão de luzes vermelha e azul no cérebro de ratos vivos ; e, por meio do aparelho, conseguiram monitorar a atividade cerebral de roedores enquanto eles caminhavam. ;Com essa tecnologia, conseguimos, basicamente, construir um pequeno filme do cérebro desses animais;, assinalou o Yoav Adam.
Análise detalhada
Com a estratégia criada em Harvard, os cientistas são capazes de gravar a atividade de até 10 neurônios de uma vez, e, três semanas depois, conseguem novamente identificá-los para serem novamente registrados, um feito que seria impossível com as tecnologias existentes. ;Mesmo com simples mudanças no comportamento ;caminhar e descansar;, conseguimos observar alterações robustas nos sinais elétricos, que também variavam entre diferentes tipos de neurônios no hipocampo. Alguns vão mais rápido, outros, mais devagar;, ressaltou o coautor do estudo.
Agora, os cientistas pretendem aperfeiçoar o método para analisar de forma ainda mais minuciosa a atividade cerebral. ;Estamos interessados em investigar a função cerebral em comportamentos mais complexos. Como a atividade cerebral muda quando o animal aprende ou esquece algo? Como as diferentes regiões do cérebro são ativadas? Qual é o papel dos diferentes tipos de neurônios?;, elencou. ;Queremos aprender mais sobre memória espacial, por exemplo. Qual o processo em que o rato lembra onde está a sua estação de comida? Ninguém sabe detalhes desse tipo de memória;, complementou Adam.
O uso da tecnologia também pode abrir portas para pesquisas médicas no futuro. ;Estamos focados em entender como o cérebro funciona em condições saudáveis, mas é claro que uma melhor compreensão da função neural também será útil para compreender doenças. Há muitas maneiras de modelar enfermidades humanas em camundongos e nossa tecnologia pode ser usada para estudá-las. Por exemplo, meu laboratório tem feito alguns estudos em ratos que têm uma mutação genética que causa epilepsia;, citou o pesquisador.
Rogerio Panizzutti, psiquiatra, neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), assinalou que o método desenvolvido em Harvard se destaca pelo uso da luz de uma forma mais complexa, algo que ainda não havia sido feito. ;Esse método de controlar pela luz a atividade cerebral já foi explorado por muitos cientistas, inclusive aqui na UFRJ, mas, nessa pesquisa, avançamos mais um degrau, de controlar e estimular a atividade dos neurônios pela luz. Esse é o grande ganho dessa tecnologia;, ressaltou o cientista, que não participou do estudo.
Para Panizzutti, pesquisas que buscam o monitoramento cerebral caminham com o mesmo objetivo: entender os mais diversos mistérios que ainda circundam o órgão responsável por controlar todo o corpo humano. ;Aqui, no Rio de Janeiro, tivemos recentemente uma pesquisa de uma estudante que mostrava qual a região cerebral responsável por atenuar a dor física. Isso é algo muito importante, pois pode ajudar a entender enfermidades e contribuir para interferências futuras;, destacou o neurocientista.