Ciência e Saúde

Vírus oceânicos podem amenizar impactos das mudanças climáticas

Micro-organismos são imprescindíveis em mecanismos que mantêm a biodiversidade, mostra expedição internacional de cientistas. A captura de CO2 emitido na atmosfera é um dos processos-chave

Camilla Germano*
postado em 14/05/2019 06:00
Ilha de Galápagos vista do espaço: pesquisa reforça a necessidade do equilíbrio nos ecossistemas para a manutenção da vida na Terra
A bordo do veleiro Tara, um grupo internacional de cientistas pesquisou a diversidade ecológica de vírus nos oceanos. Apesar de pequenos, esses seres vivos desempenham grande papel nos ecossistemas marinhos e nas cadeias alimentares. Estão envolvidos em questões que vão desde a evolução das espécies até as mudanças climáticas, ajudando, por exemplo, a dar utilidade ao gás carbônico despejado pelos seres humanos. Segundo os participantes da expedição, o trabalho ajuda a demonstrar o quanto o planeta pode ser afetado pelas interações entre organismos microscópicos.

;Vírus são essas pequenas coisas que você nem consegue ver, mas, porque estão presentes em números tão grandes, realmente são importantes;, frisa Matthew Sullivan, o autor principal do estudo e microbiologista da Ohio State University, nos Estados Unidos. Segundo o cientista, nos oceanos, grande parte da biodiversidade ; essencial para a manutenção de funções e serviços ecossistêmicos ; está contida no reino microbiótico, que representam 60% de sua biomassa.

Uma das funções dos micróbios nos oceanos é produzir o oxigênio respirado pelos outros seres vivos. O oceano absorve ao menos 25% do dióxido de carbono emitido pelo homem, em um sistema controlado por micro-organismos. Altos níveis de CO2 na superfície acidificam os ecossistemas marinhos (Leia mais nesta página). Entretanto, se o dióxido de carbono é convertido em carbono orgânico e biomassa ; mecanismo que ocorre com a ajuda de vírus marinhos ;, suas partículas podem ser fragmentadas e afundam o carbono nos oceanos profundos.

;Os vírus encontrados na pequisa infectam micro-organismos importantes na fixação do dióxido de carbono atmosférico. Portanto, se o equilíbrio entre essas populações não se mantém, a fixação de CO2 nos oceanos pode diminuir, aumentando a quantidade de carbono atmosférico;, resume Fernando Melo, professor visitante no Instituto de Biologia e no Departamento de Fitopatologia da Universidade de Brasília (UnB).

A equipe também detectou que esses micro-organismos são responsáveis por impulsionar processos que reciclam constantemente elementos químicos na natureza. O chamado ciclo biogeoquímico envolve seres vivos (bio), ambiente terrestre (geo) e elementos químicos e acontece para garantir uma reciclagem dos elementos químicos e a disponibilidade deles na natureza. Por meio desse mecanismo, os elementos transitam pela atmosfera e entre os seres vivos e podem assegurar a manutenção da vida na Terra.

Inovação

Os pesquisadores coletaram amostras de oceanos entre 2009 e 2013, como parte de um projeto de pesquisa Tara Ocean Science. O objetivo do projeto, iniciado em 2006, é apresentar uma ciência dos oceanos inovadora, permitindo, por exemplo, antecipar de melhor forma os impactos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas marinhos.

O material estudado contém águas de diferentes profundidades e localidades. ;Precisamos entender os vírus para até mesmo transformá-los em vantagem, à medida que buscamos soluções inovadoras e que nos ajudem a sobreviver às mudanças climáticas;, defende o autor principal do estudo, divulgado em abril no jornal Cell.

Segundo a equipe de investigadores, os mapas que basearam a pesquisa estabelecem uma linha de referência para outros projetos de coleta, o que poderá ajudar a responder a perguntas sobre como os níveis de micro-organismos mudam com o tempo, em resposta à variação sazonal e às mudanças climáticas. Outra aplicabilidade é a possibilidade de ter uma visão mais completa da distribuição e da abundância dos vírus marinhos, contribuindo, por exemplo, na escolha de quais desses seres vivos demandam mais cuidado.

Agentes de controle

Fernando Melo concorda com a importância desse monitoramento. O especialista compara os vírus a predadores e os seus hospedeiros, a presas. ;Como os vírus são parasitas obrigatórios e, muitas vezes, matam seus hospedeiros, eles funcionam como agentes de controle de populações em um ambiente;, resume.

O especialista faz uma comparação com a relação entre insetos e morcegos para ilustrar a importância dos vírus na manutenção da biodiversidade marinha. ;Quando o número de insetos é muito alto, esses morcegos encontram muita comida e se reproduzem em abundância. Mas se a população de morcegos começa a aumentar demais, o número de insetos fica reduzido e também a disponibilidade de alimento para os morcegos, o que ocasiona queda na reprodução dos mamíferos. Portanto, os vírus atuam no controle do tamanho de algumas populações, aumentando o trânsito de nutrientes no oceano, já que micro-organismos mortos podem servir de alimentos para outros organismos.;
* Estagiária sob supervisão de Carmen Souza


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