Ciência e Saúde

Cientistas comemoram 50 anos da conquista lunar de olho em desafios futuros

Além dos ganhos tecnológicos, especialistas destacam que a viagem de quatro dias em 1969 mudou, para sempre, a relação do homem com o universo

Paloma Oliveto
postado em 18/07/2019 06:00
Além dos ganhos tecnológicos, especialistas destacam que a viagem de quatro dias em 1969 mudou, para sempre, a relação do homem com o universo
Entre o saudosismo com a Apollo 11 e a excitação com a futura missão lunar, cientistas celebram os 50 anos da guinada na investigação espacial, que permitiu ao homem pensar além das fronteiras planetárias e cobiçar destinos mais distantes, como Marte.
Além dos ganhos tecnológicos, especialistas destacam que a viagem de quatro dias mudou, para sempre, a relação do homem com o universo. ;A alunissagem em 20 de julho de 1969 continua sendo um dos momentos mais inspiradores da história humana. Ela nos dá a perspectiva de quem somos como humanos no Cosmos. Nesse 50; aniversário, nós celebramos onde estivemos, para onde vamos e quem somos;, opina Kathryn Williamson, diretora do Planetário da Universidade de West Virginia.

Ben Davis, professor de engenharia mecânica da Universidade da Geórgia, destaca que a Apollo 11 também teve grande influência na formação de profissionais. ;Para mim, o legado mais importante do programa espacial é a forma como inspirou gerações de cientistas e engenheiros de todo o globo. Muitos dos meus mentores foram inspirados a se tornar engenheiros depois de verem a Apollo 11 alunissar;, conta. Uma inspiração que não se encerrou com a conquista da Lua. ;Muitas das minhas primeiras memórias envolvem assistir ao lançamento do foguete e sonhar em trabalhar na Nasa um dia. Depois de viver esse sonho por muitos anos, agora sou professor, e muitos dos meus alunos quiseram estudar engenharia ao testemunhar conquistas como o grande sucesso da missão Mars Exploration Rover;, afirma Davis, que trabalhou em parceria com a agência espacial em diversos projetos.

A viagem à Lua em 1969 também teve um significado de união da humanidade em uma época na qual o mundo estava dividido pela guerra fria em dois grandes blocos, acredita o astrônomo e físico da Universidade do Texas Nick Suntzeff, um dos descobridores da energia escura. ;Por um momento maravilhoso, as pessoas podiam olhar para a Lua sabendo que os humanos haviam alcançado as estrelas. E, nesse momento, o mundo todo estava unido por todas as fronteiras, religiões e raças: nós estávamos na Lua;, diz. ;Sim, foram os Estados Unidos que chegaram primeiro à Lua, mas a placa na sonda da Apollo 11 diz: ;Aqui homens do planeta Terra colocaram, pela primeira vez, os pés na Lua, julho de 1969 d.C. Viemos em paz por toda a humanidade.;;

Embora o objetivo principal das missões Apollo tenha sido verificar se era possível alcançar a Lua, a viagem também trouxe a oportunidade de se avançar no conhecimento científico sobre o satélite, observou ontem, em um evento da União Geofísica Norte-americana, a geofísica Sonia Tikoo, da Universidade de Stanford. Novas missões, como a Ártemes, prevista para chegar ao satélite em 2024, vão contribuir ainda mais para desvendar os segredos desse astro, cuja origem remonta há 4,6 bilhões de anos, quando, segundo teorias bem-aceitas, a Terra colidiu com um corpo do tamanho de Marte.

;A Lua abriga um tesouro incrível de conhecimento que ainda podemos continuar explorando se continuarmos com nossos estudos, se voltarmos a ela. Veja quanto conhecimento adquirimos e o quanto aprendemos com apenas algumas pedras de alguns lugares de lá e pense sobre o quanto ainda poderemos aprender se expandirmos mais essas missões;, afirmou. No mesmo evento, transmitido on-line, o professor de geodinâmica planetária da Universidade da Reserva de Case Western Steven Hauck lembrou que o estudo do satélite pode ajudar a lançar luz sobre a formação e a evolução de planetas: ;As missões Apollo nos forneceram o primeiro caminho tangível e quantitativamente real de começar a testar ideias de como a Lua se formou e qual a relação disso com a própria formação da Terra.;
Além dos ganhos tecnológicos, especialistas destacam que a viagem de quatro dias em 1969 mudou, para sempre, a relação do homem com o universo

Sem solidão

Na terça-feira, quando se completou 50 anos do lançamento da Apollo 11 pelo foguete Saturno V, astronautas de diversas missões Apollo, incluindo o piloto do módulo de comando, Michael Collins (segundo à direita), se reuniram no Centro Espacial Kennedy, da Flórida, para relembrar as aventuras no espaço. ;Sempre me perguntaram se eu não era a pessoa mais sozinha em toda a história da solidão de todo o solitário Sistema Solar quando eu estava naquela órbita solitária;, brincou Collins, 88 anos. O piloto ficou o tempo todo em outro módulo, separado dos colegas Buzz Aldrin, 89, e Neil Armstrong, ;A resposta é não! Sempre me senti muito bem! (;) Eu realmente passei ótimos momentos lá, em vez de me sentir terrivelmente sozinho;.

Entrevista Renato Borges

Além dos avanços tecnológicos, a Apollo 11 foi responsável por colocar o homem em um novo patamar da exploração espacial, onde a Terra já não é o limite. Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Renato Borges, coordenador do Laboratório de Simulação e Controle de Sistemas Aeroespaciais (Lodestar) da instituição, a ousadia da Nasa permitiu à humanidade pensar ainda mais longe. Ele considera a volta à Lua ;extremamente importante; porque permitirá a construção de uma base de onde será possível lançar missões para o espaço profundo, inclusive rumo a Marte.

A vocação aqui é outra: bases de lançamento e nanossatélites com aplicações civis e militares. Em entrevista ao Correio, Borges, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas Eletrônicos (IEEE) e da Sociedade de Sistemas Aeroespaciais e Eletrônicos, considera que o programa espacial brasileiro avançou, mas questiona se há uma velocidade suficiente. ;É preciso avaliar se nossa taxa de crescimento está satisfatória ou não;, diz.


Quais os principais legados da Apollo 11?

Para a ciência, os ganhos com a missão Apollo 11 são vários. Desde em relação ao estudo do nosso satélite natural propriamente dito, com coleta de amostras que foram trazidas à Terra, a questões relativas ao comportamento do homem em missões do tipo. A missão expôs os nossos astronautas a certas condições inéditas. Em relação aos aspectos tecnológicos, foi desenvolvida uma série de dispositivos tecnológicos para esse tipo de aplicação. Pelo fato de ser a primeira missão com sucesso que levou o homem a pousar no solo lunar, a Apollo 11 abriu uma nova porta para o conhecimento. Você quebra uma barreira, que é o homem saindo da Terra e pisando em um astro no espaço. Isso é um passo importantíssimo para o início de uma nova era de exploração espacial, de espaço profundo. Agora, estamos olhando não só para a Lua, mas para planetas próximos, que poderiam ser explorados em prol do ser humano.

Por que voltar à Lua?

Considero o retorno extremamente importante. O olhar para essa missão é outro: é irmos não apenas para obter algumas amostras, mas para, de certa forma, ficar. Ficar no sentido de que o objetivo agora é, de fato, construir uma infraestrutura para a gente colonizar a Lua. O propósito agora é outro, é termos condições de permanecer lá por um período longo, ter infraestrutura para a permanência do homem por um período maior, para o entendimento melhor do ambiente e para projeção de missões em espaço profundo que estão por vir; por exemplo, Marte. A Lua passa a ser um ponto de apoio para outros tipos de missão, passa a ser um ambiente para se permanecer por um período maior de tempo. Hoje, temos a Estação Espacial Internacional orbitando próximo à Terra, e teríamos uma infraestrutura semelhante em alguns aspectos, mas em solo lunar. Certamente, isso será explorado de diversas formas. Amanhã, teremos turismo na Lua, o homem tendo essa forma muito fácil de ir até lá. Essa é a grande meta, o grande passo a ser dado por nós.


Qual avaliação o senhor faz do programa espacial brasileiro?

Nós temos equipe qualificada no país, temos pesquisadores e profissionais com norral no setor, com uma excelente capacidade técnica. Em relação ao programa espacial brasileiro, é possível perceber indicadores que apontam uma evolução nos últimos anos, e digo isso pelas missões espaciais de grande porte que o Brasil tem desenvolvido em parceria com outros países, como a China. Recentemente, houve a entrada do país em missões preliminares com nanossatélites, o que, de fato, é uma tendência, principalmente em relação a serviços de comunicação, imageamento; serviços que o homem utiliza no dia a dia e que antes eram executados e prestados por grandes agências espaciais. Hoje, esses serviços estão cada vez mais absorvidos por missões de satélites pequenos, que são colocados em órbitas baixas, têm custo reduzido e estão permitindo o acesso ao espaço de forma mais rápida. Temos o Brasil entrando nessas questões e já estabelecendo também missões em parceria com países como Estados Unidos, dentre outros. Temos o primeiro geoestacionário que o Brasil assume o comando e o controle... Então, é uma série de ações que, se elencarmos, é possível perceber essa evolução histórica. A questão da velocidade com que a gente tem desenvolvido é outro aspecto importante, que envolve não apenas competência técnica, mas questões econômicas e políticas. Estamos falando de um setor estratégico, com aplicações tanto na área civil quanto na militar. Então, há vários aspectos para serem considerados e para avaliar se nossa taxa de crescimento está satisfatória ou não. Eu diria que, por ora, existem a competência, os indicadores que apontam um crescimento e uma série de elementos para a gente fazer uma análise mais precisa se estamos andando numa velocidade lenta, se deveríamos estar mais rápidos.

Qual a vocação espacial do Brasil?

Eu diria que nós temos uma posição geográfica muito favorável para lançamentos. A linha do Equador corta nosso país. Então, temos duas bases de lançamentos e um aspecto que precisa, de fato, ser mais explorado. Nós temos uma família de veículos de sondagem ; aqueles que vão fazer voos suborbitais ; muito boa. Tivemos uma iniciativa muito boa no VLS, o veículo lançador de satélite. Infelizmente, houve um acidente, uma tragédia que o país enfrentou (a explosão da base de Alcântara, no Maranhão, há 16 anos), mas existem vários pesquisadores e profissionais trabalhando nessa área de desenvolvimento de veículos e, certamente, essa é uma área estratégica para o país. É um tópico que continua sendo desenvolvido e investigado e que precisa receber uma atenção cada vez maior. A gente precisa, de fato, avançar e acelerar esse processo para que possa retomar a exploração de nossa base de lançamento. (PO)



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